São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VÍDEO DESTAQUE
Com uma extensa fileira de prêmios, encimada pelo Oscar de filme estrangeiro, "Tudo sobre Minha Mãe", de Pedro Almodóvar, com Cecilia Roth e Marisa Paredes, é o único lançamento do mês dedicado à vital, tumultuada e, para o cineasta, poética relação entre mães e filhos
Mãe só tem uma

FÁTIMA GIGLIOTTI
DA REDAÇÃO

"P ARA Bette Davis, Gena Row-lands, Romy Schneider, para to-das as atrizes que interpretaram atrizes, para todas as mulheres que representam para os homens que representam e se tornam mulheres, para todas as pessoas que querem ser mães e para minha mãe". É assim que o cineasta espanhol Pedro Almodóvar termina "Tudo sobre Minha Mãe", seu 13º longa-metragem, que abocanhou todos os principais prêmios do circuito internacional de cinema, culminando no Oscar de filme em língua estrangeira. Antes, foi a vez do César -o equivalente do galardão americano na França-, do Globo de Ouro e de sete Goya, a principal premiação do cinema espanhol. Ao receber os prêmios, Almodóvar reiterou que dedica o filme a sua mãe, a atriz espanhola Francisca Caballero, morta em setembro do ano passado. Ela atuou em vários filmes do cineasta. Em "A Flor do Meu Segredo" (1995), é a mãe da personagem interpretada por Marisa Paredes, escritora de romances açucarados que, em crise após ser abandonada pelo marido, vai buscar consolo no colo da mãe, na cidade onde passou sua infância (e também Almodóvar). É impossível não lembrar do diálogo entre as duas, no qual a mãe diz à filha que uma mulher separada -ou viúva-é como uma vaca perdida no pasto: a sineta toca, mas ela não sabe para onde ir. Ao contrário delas, Almodóvar e o espectador trilham um caminho muito bem sinalizado até chegar àquela dedicatória do início desse texto, que fecha o filme e lhe traz ainda mais sentidos, como o da homenagem. O cineasta afirmou em entrevista ao jornal espanhol "El País" que "Tudo sobre Minha Mãe" era um filme feminino, como "Carne Trêmula" (1997) era um filme masculino. "Nesse filme, os personagens masculinos aparecem em função dos femininos, mas todos eles são cruciais, ainda que estejam na tela por um momento", afirmou Almodóvar. Vamos aos momentos. No início, a enfermeira Manuela (a atriz argentina Cecilia Roth) comemora com o filho Estebán o aniversário de 17 anos do garoto. Antes do final da noite, ele morre atropelado. Ela, então, parte para Barcelona para encontrar o pai do menino, a quem não via desde a gravidez. Reencontra as amigas do passado, entre elas um travesti. Arruma trabalho como secretária da atriz (Marisa Paredes) de quem seu filho queria um autógrafo -e por isso foi atropelado- na noite de seu aniversário. Sem ressentimentos. E abriga uma jovem freira (Penélope Cruz) em sua casa, grávida e soropositiva. O pai, por alguns desses labirintos do tempo e, ainda mais, do universo almodovariano, é o mesmo do Estebán morto: um travesti que também se chama Estebán. É na linha enviesada que liga esse inusitado triângulo - o Estebán pai, o Estebán filho morto e o Estebán filho que está para nascer, com o vírus da Aids- que Manuela alimenta o fio da vida, da narrativa, da generosidade, do feminino. Nas suas relações com a atriz infeliz e sua amante viciada, a freira grávida e a intolerante mãe dela, o travesti maltratado de bem com a vida, Manuela destila carinho e dá um jeitinho de arrumar a vida de todos, doce dominadora. Mesmo quando encontra o pai de seu filho, o homem que deixou de herança para o mundo um outro filho com o sangue contaminado, Manuela é generosa. É mulher e é mãe. A recompensa vem com o terceiro Estebán: em dois anos, ele supera o vírus da Aids, e seu caso é tão animador que vai ser estudado pelos cientistas. É a redenção para Manuela, para o universo de Almodóvar povoado de personagens irreverentes e desviantes -mas sempre humanos, guiados antes de mais nada por sentimentos autênticos-, para a mãe. Não diminui a dor, mas lhe dá um colorido especial. Com matizes líricos. Almodóvar puro.


TUDO SOBRE MINHA MÃE
Fox
     (Todo sobre Mi Madre, Espanha/França, 1999). Direção: Pedro Almodóvar. Com Cecilia Roth, Marisa Paredes, Penélope Cruz, Candela Peña, Antonia San Juan, Rosa María Sardá. 101 min. Drama.




Texto Anterior: Sell- thru
Próximo Texto: Na TV, há 12 anos: Incesto e paranormalidade marcaram a novela "Mandala"
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.