São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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Dever de casa: brilhar

Rogério Albuquerque/Folha Imagem
A atriz Débora Lagranda, 10, a Debby da "Turma do Didi" (Globo), é maquiada antes de um espetáculo teatral



Para um número cada vez maior de crianças, ficar famoso na TV já virou obsessão, mas é preciso ter cuidado porque a brincadeira pode machucar


PAULA PENEDO
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PERGUNTE a um grupo de crianças o que elas querem ser quando crescerem e não se espante se a maioria responder: "modelo", "atriz", "cantor", "apresentadora"... A possibilidade de ficar famoso e rico rapidamente faz com que as outras profissões até pareçam chatas aos olhos de muitos meninos e meninas. Ingra Abdo, 7, conta por que entrou para um curso de teatro: "Estou aqui para ser famosa e trabalhar na Globo; quero que todo mundo seja meu fã. Se eu não for famosa, vou ficar muito triste, não vou sair de casa, vou achar que ninguém gosta de mim". Para o pedagogo Silvio Duarte Boki, 50, especialista em orientação vocacional, "isso acontece pelo fascínio pela fama e porque a carreira artística é encarada como alternativa que não exige dedicação escolar maçante". Num momento em que o programa "Gente Inocente" (Globo) está selecionando crianças para compor seu novo elenco, muitas sonham com a fama de Pedro Malta, 8, que interpreta o Lipe da novela das 18h, "Coração de Estudante". Ele confirma que o sucesso é gostoso: "É bom ser outras pessoas e ter fãs". Sua mãe, Maria Salete Malta, 50, porém, zela para que o filho não confunda sua vida com a do personagem. "Ele tem cabeça boa para entender essas coisas. Só o que me preocupa é o fato de ele não estar tendo uma infância comum." Nem um pouco comum. Pedro dedica cerca de três horas diárias, seis vezes por semana, às gravações e costuma levar livros e cadernos para o estúdio. "O trabalho é cansativo, mas estou fazendo o que gosto", afirma Pedro.

Crescimento Manter o sucesso quando chega à adolescência é outro desafio para quem começa cedo. A atriz Carolina Pavanelli, 15, que, aos seis, estrelou a novela "Sonho Meu", da Globo, está fora da TV desde 2000, mas não desistiu da carreira. "Estou numa fase difícil pra arrumar personagem. Lá na TV, eles me avisaram que seria assim. Acho que quando eu tiver 16, 17 anos, vai pintar papel. Continuo fazendo testes e mandando meu material para produtores." A mãe de Carolina, Suzana Gomes Cancio, 47, diz que a filha não está sofrendo com a falta de exposição: "Na cabecinha dela, sua ausência da TV é apenas temporária". A mãe de Débora Cristina Lagranda, 10, que há quatro anos é a Debby da "Turma do Didi" (Globo), afirma que tenta preparar a filha para um possível fim repentino de sua carreira. "Sabemos que a TV tem um mecanismo que envolve não só talento, mas também sorte e conchavo. Sempre tivemos a preocupação de ensinar que ela poderá seguir outros caminhos", diz.

Incentivo O apoio dos pais é importante, mas muitos forçam a barra para que a criança se torne um astro. "Até os 14 anos, os números e imitações que a criança faz devem ser encarados como brincadeira. Só mais tarde ela vai confirmar ou não se é isso o que quer", diz o pedagogo Boki. Para a diretora-geral do "Gente Inocente", Cininha de Paula, dá para perceber quando a criança busca a carreira artística por vontade dos pais. "Quando assisto aos vídeos de teste, ficam evidentes os candidatos que fazem uma apresentação mecânica, perfeita de tanto a mãe ensaiar", diz Beto Silveira, professor de teatro há 32 anos, também já conhece esse tipo de aluno: "Cheguei a tirar um menino da aula porque ele não gostava de fazer as atividades, dizia que só estava lá por vontade da mãe, que, provavelmente, queria resolver suas frustrações".


Colaborou CARLA MENEGHINI, da Reportagem Local



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