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CRÍTICA
Fantasias das ninfetas do SBT
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
"Fantasia", o programinha vespertino do
SBT, foi cuidadosamente
arquitetado para fazer
frente aos conflitos musculares da juventude
dourada de "Malhação". Silvio Santos, o camelô mais bem-sucedido
do país, juntou numa
mesma fórmula o caça-níquel do 0900, as
brincadeiras de auditório
e o apelo sexual com tintas juvenis.
Os esforços da Globo
para espiritualizar um
pouco a sua noveleta aeróbica e dar algum traço
de humanidade àqueles
corpos -que são pura
energia sem alma ou
luz- podem também ser
vistos como uma estratégia da emissora para evitar a comparação entre
os programas e assim
driblar mais esse coelho
mágico saído do baú do
Abravanel.
O grande trunfo de
"Fantasia", porém, não
são a jogatina, as brincadeiras ou mesmo as apresentadoras, entre as
quais ex-sem-terra, agora neo-emergente, Débora Rodrigues, fisgada do
mato pelas páginas de
"Playboy". O trunfo do
programa são as suas figurantes, uma legião de
ninfetas felizes e sorridentes que dançam, pulam, cantam e se insinuam em trajes minúsculos e coloridos diante
das câmeras.
É notório que estão lá
para inflamar a imaginação de muito adolescente
perdido em casa, com
deveres de escola por fazer. E o apelo erótico é
tanto mais eficaz na medida em que as meninas
são adestradas para temperar malícia e sensualidade com ingenuidade e
inocência. Pode ser odioso dizê-lo, mas o programa inspira pensamentos
nelsonrodrigueanos, o
que torna tudo um tanto
constrangedor.
Numa época em que o
sexo explícito está à disposição de todos, seu
efeito supostamente pornográfico fica como que
neutralizado pela banalização da nudez hiperexposta. É nessa medida
que a virgindade ambígua das meninas do SBT
funciona como as gengivas descritas por Nelson
Rodrigues -é altamente
pornográfica.
As mocinhas de "Fantasia" desfilam na tela
em série, e cada uma delas aproveita os poucos
segundos em que aparece
em close diante da TV
para distribuir beijinhos,
chamar o espectador para si com o dedo indicador, solicitar telefonemas
e simular suspiros de carinho. Por trás do clima
de descontração e da sacanagem de salão, há
uma mensagem que à
primeira vista passa despercebida.
É como se cada uma
dessas ninfetas dissesse
"estou aqui, olha para
mim, me dê uma chance,
eu preciso subir na vida"; ou, invertendo o raciocínio, como se o programa declarasse "não
vai dar para todas, alguém vai sobrar nessa
brincadeira". Traduzindo em miúdos, trata-se
de saber quem será a nova Débora Cristina,
quem será a próxima Galisteu, quem será a próxima Xuxa da vida.
A brincadeira assume
assim ares de uma roleta-russa às avessas, onde
a hipótese de salvação (de
alpinismo social, no caso) é ínfima diante da
chance de morrer, ou de
sucumbir no meio do caminho.
Qualquer semelhança
com o espírito desta época não é, evidentemente,
mera coincidência, mas
nem é preciso divagar tão
longe. O mais cruel é que
essas meninas dependam
apenas da sorte, ou melhor, de um novo Pelé, de
um novo Ayrton Senna
ou de um convite da
"Playboy" para realizar
o sonho, com certeza comum a todas, de "virar
atriz de verdade" ou, ao
menos, de ser objeto de
fetiche de um país que
parece ter necessidade de
viver numa eterna adolescência mental.
Essa aspiração condenada ao fracasso é, no caso, a verdadeira fantasia
que o programa do SBT,
involuntariamente, alimenta, destrói e descreve
tão bem.
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