São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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CAPA
Desempregados viram atores de falsos dramas do 'Ratinho'

Lalo de Almeida/Folha Imagem
A produtora Regina em van que usa para levar falsos atores ao programa do Ratinho, no SBT


DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

Intrigas, palavrões e lutas corporais que diariamente alavancam a audiência do "Programa do Ratinho", no SBT, são, muitas vezes, farsas.
A Folha descobriu em Mauá, na Grande São Paulo, um esquema que fabrica histórias e transforma desempregados em "atores" do programa. O apresentador Carlos Massa, o Ratinho, diz desconhecer o esquema (leia abaixo).
Em troca de cachês de R$ 80 a R$ 150 por dia e, às vezes sob pressão, essas pessoas se sujeitam a interpretar, ao vivo e no horário nobre, papéis de marido traído, de pai-de-santo e de travesti, entre inúmeros outros. Chegam até a brigar, mas na vida real seus dramas são outros -e não menos delicados.
É o caso, por exemplo, do pedreiro desempregado Sebastião José de Oliveira, 33. Anunciado como atração da estréia do "Programa do Ratinho" no SBT, em 8 de setembro, Oliveira fez "o papel de corno" e "exibiu" uma fita em que "flagrava" sua mulher na cama com outro homem.
Só que Oliveira nunca manipulou uma câmera de vídeo, e a mulher que aparecia na fita não era a sua. "A reputação da minha mulher, que é uma serva de Deus, foi lá embaixo", diz, arrependido. "Eu só topei fazer o trabalho porque meus filhos estavam sem leite. Há quatro anos eu só faço bicos."
O pedreiro diz ter sido levado ao SBT pela produtora free-lancer Rosemeire Regina Ramalho -conhecida apenas por Regina-, colaboradora diária do "Programa do Ratinho".
A Folha apurou que Regina recruta desempregados em Mauá, lota uma van Towner e os leva para o SBT, em Osasco, a mais de 60 quilômetros do ponto de origem.
Em pelo menos dois casos, Regina, em parceria com seu marido, o fotógrafo Rogério (não revelou sobrenome), filmou, usando uma câmera doméstica, falsos flagrantes de adultério e de prostituição -as imagens do "flagrante" do pedreiro Oliveira e o "trottoir" de um falso travesti.
Muitas vezes, como no caso de Oliveira, as pessoas que participam da farsa só ficam sabendo do "papel" que irão desempenhar a caminho do SBT.
Oliveira, ao tomar conhecimento de seu personagem, pediu um "papel mais leve". "Se você não fizer o papel de chifrudo, não vai ganhar nada", teria lhe dito Regina, já no estúdio 6 do SBT, onde o programa é gravado.
A produtora nega ter conhecimento de que as histórias são falsas.

A ponte
A "ponte" de Regina na emissora é Américo Ribeiro, diretor do núcleo de ação do "Programa do Ratinho".
Antes de encenarem, os protagonistas desse mundo-cão de faz-de-conta fariam um pequeno ensaio, na presença de Ribeiro. Pessoas ouvidas pela Folha dizem que, nesse ensaio, são instruídas a trocarem agressões físicas e verbais. Alguns preparam frases de efeito. Tudo pronto, assinam um termo de cessão de imagem.
"O Américo (Ribeiro) falou para a gente fingir direitinho", afirma a dona-de-casa C.P.L., 22, que interpretou o "papel" de uma cunhada que denunciava à irmã que o marido dela era travesti à noite.
Segundo C.P.L., um primeiro candidato a falso travesti teria sido reprovado pela produção.
No ar, é comum também os "atores" usarem nomes fictícios. O balconista Josmar Ramos, 24, que acabou fazendo o papel de travesti, virou Miguel.
Leia abaixo a defesa das pessoas envolvidas e, nas duas páginas seguintes, cinco histórias de farsa na televisão.



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