São Paulo, Domingo, 21 de Fevereiro de 1999
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CRÍTICA

O Carnaval dos Acadêmicos de Brasília

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião

O destaque deste Carnaval veio à luz apenas na Quarta-Feira de Cinzas, na coluna sublime publicada por Elio Gaspari nesta Folha. Ficamos todos sabendo que um boletim supostamente informativo, batizado "Cultura Hoje" e confeccionado pelo Ministério da Cultura com o dinheiro dos nossos impostos, definiu da seguinte maneira a atuação do ministro Francisco Weffort à frente de sua pasta decorativa:
"Neste Renascimento pelo qual passa a cultura brasileira (...) às vezes, o ministro da Cultura se assemelha aos líderes da Europa Renascentista, lutando para estimular o mecenato e abrindo novos espaços para as atividades culturais". Assinado pelo chefe de gabinete do ministério, Luciano Ramos (guardem esse nome, o rapaz vai longe), o texto logo adiante se supera: "Mais do que um príncipe do século 15, que protegia as artes, o ministro Weffort lembra o lendário herói britânico que, no princípio da Idade Média, reuniu as lideranças e colocou as cartas na mesa redonda, convidando a todos para se unirem em nome da sobrevivência dos interesses comuns". Nunca será demais reproduzir os melhores momentos dessa peça de ficção e sabujice.
É preciso que o contribuinte (que é o que sobrou da extinta noção de cidadão, maltratada por este governo) conheça o talento, o discernimento e a altivez de espírito dos responsáveis pela gestão da cultura no país. A turma do Casseta não seria capaz de chegar a um humor tão requintado.
Indigentes, subalternas, grotescas e delirantes, essas "análises" que constam do "boletim informativo" produzido na seara de sinhozinho Weffort são um termômetro do abismo que se abriu entre Rei Arthur e seus áulicos e o país real, que eles acreditam representar e, mais, governar. É mais um exemplo do que são capazes de apresentar na Sapucaí da insensatez os Acadêmicos de Brasília, que neste ano foram à farra à custa de todos com o enredo "O Dólar Furado no Império da Fantasia".

Como estamos em plena efervescência renascentista, nada mais justo do que homenagear, como fizeram duas escolas cariocas em seus desfiles, figuras da estirpe de Assis Chateaubriand e Ivo Pitanguy. Fernando Vanucci, num de seus vários momentos de luminosidade, disse que Chatô construiu um império de comunicação e não hesitava em usá-lo em benefício de aliados ou em prejuízo de adversários. Partindo da Globo, o comentário passa a integrar o vasto anedotário nacional.

A emissora de Roberto Marinho deu um jeito de apagar Tiazinha do Carnaval. No melhor estilo Chatô, a moça, cria da concorrência, foi acintosamente boicotada pela transmissão. Ganha quem apostar que não demora para que Suzana Alves seja contratada pelo Jardim Botânico.

Não foram em vão os esforços da Bandeirantes durante o Carnaval. Com a dupla Luciano do Valle e Silvia Poppovic apresentando os desfiles, a emissora conseguiu roubar de Fernando Vanucci um troféu que era dele há anos: o de transmissão mais inteligente.

Ao pessoal do grupo TVer, que aproveitou o Carnaval como gancho para estudar um pouco a imagem da mulher explorada pela TV, talvez valha a pena acompanhar de perto o comportamento dos repórteres que entrevistavam destaques nuas ou quase na avenida. Foram vários os que pediram para a entrevistada "dar uma voltinha" (eufemismo para mostrar a bunda para a câmera), ao que se seguiam suspiros e gemidos do repórter (eufemismo para a velha expressão "e aí, gostosa", marca registrada do cafajeste brasileiro).

Afora o fato de divertir o povaréu, o Carnaval serve para que se veja a elite, ou a ralé da elite, concentrada em camarotes patrocinados. Com as exceções de praxe, todos parecem ser capazes de vender a mãe para aparecer na telinha rebolando ou dizendo frivolidades. Estamos todos entendidos: devem ser eles a expressão viva do renascimento da cultura brasileira.
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