São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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CRÍTICA

A cabo

EUGÊNIO BUCCI

UMA NUVEM de desinteresse envolve a televisão a cabo no Brasil. Ou, corrigindo, a televisão por assinatura (aquela que o sujeito só pode ver se pagar ou, o que não é tão incomum, só vê se fizer uma gambiarra clandestina e puxar o sinal ilegalmente). Chamamos toda televisão paga de TV a cabo, o que é um erro. Dos 3,5 milhões de assinantes de TV paga no Brasil, segundo tabelas que se encontram no site da Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura, pouco mais de 2 milhões são servidos verdadeiramente pelos fios que transmitem de imagens; quanto aos outros, recebem os sinais por ondas (MMDS ou DTH), sem cabo nenhum. O que não importa nada: a expressão TV a cabo designa toda forma de TV que não é aberta. A TV a cabo é a TV de elite, enquanto a TV aberta é a TV do povaréu. A questão que intriga muita gente é que só a TV do povaréu tem repercussão. Da outra, quase nada se comenta. Só o que há é a nuvem de desinteresse, uma nuvem que está por aí há quase uma década e que, portanto, não é nada passageira.
Essa nuvem é persistente. Chega a ser sádica. Dificilmente o telespectador remediado vê um filme inteiro na sua prestigiosa televisão de rico. Assiste mesmo é novela. De seu lado, as empresas que distribuem os canais pagos insistem em demonstrar com números que já dispõem de atrações de boa audiência. Em alguns casos, eles até que têm lá um público visível. Cartoon Network, de fato, é um sucesso ou, digamos, um sucesso mirim: apresenta desenho animado sem precisar de nenhuma loura saltitante que fique gritando entre uma historinha e outra. Tendo a fatídica loura-a-menos, o Cartoon Network tem um atrativo-a-mais ("less is more", alguém diria). Há outros casos de sucesso retumbante ou, digamos, de sucesso sênior. A TV Senado, em dias em que interroga caciques como Antonio Carlos Magalhães, também atrai a massa. Fora isso, a gente nem se lembra direito do número do canal daquele documentário supercientífico ou daquele filme superartístico. As revistas da TVA e da NET, que circulam mensalmente com suas listas de programas, são menos lidas que esses cardápios de telepizzarias que despencam nas caixas de correio. Há gente que assina televisão paga só porque ela garante uma boa imagem para a televisão aberta. O sujeito paga para nunca mais se preocupar com ajustes na antena. E estamos conversados.
Ah, sim, tem o Futura, que ninguém vê e todo mundo elogia, tem a GloboNews, uma CNN daqui, e até que boa, e... O que mais? Nada que salve. A média da programação da TV paga é tão baixa quanto a da TV dos pobres. Mas seu calvário não é sua (baixa) programação; seu calvário é seu tamanho mínimo. Sendo uma TV de rico, esbarrou no tamanho do Brasil rico, um Brasil de 3,5 milhões de assinantes, que é pequeno demais para garantir relevância pública a um veículo como a televisão num país continental como o nosso. Se fossem 4,5 milhões seria a mesma coisa. Aqui, TV paga é entretenimento privado de alcance privado. É um serviço exclusivo do grande condomínio (virtual) fechado em que se esconde a elite brasileira. É um pequeno luxo particular, privado e privativo, como se fosse uma festa de casamento da filha do Doutor Fulano, as recordações em vídeo das férias em Miami. O Brasil gigante passa do lado de fora da TV paga. Passa sem modos pelo auditório do Ratinho, passa chorando pelos cultos da Rede Record. Quando muito, faz um "gato", uma ligação direta, e "rouba" um programinha. E só. O Brasil da maioria só acontece na TV dos pobres. Daí a nuvem de desinteresse que envolve a TV paga. O problema não é o seu conteúdo, enfim, mas o fato de que, tendo batido nas paredes da casa grande, jamais chegou à senzala, nem à rua. É uma TV que o Brasil não vê e que não vê o Brasil. O que faz dela uma TV menor, quase indigna de nota.



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