FÁTIMA GIGLIOTTI
DA REDAÇÃO

EM 1995 o então famoso fotógrafo Larry Clark chocou o mundo com sua estréia no cinema, o já clássico e sempre polêmico "Kids" e sua travessia pelo mundo dos adolescentes dos subúrbios americanos, expostos a drogas, sexo, Aids e quase nenhuma esperança. Três anos depois, ele se aventurou de novo a retratar outro mitológico universo do cinema e da sociedade americanos, o dos marginais, nesse caso, pequenos ladrões. Visitar esse mundo peculiar depois da consagração de Quentin Tarantino em "Pulp Fiction" é ousada aventura, da qual Clark se sai bem. O mesmo não se pode dizer do espectador, tocado de uma maneira direta pela estranha cumplicidade entre violência e ternura que Clark extrai de seu "road movie" pelo oeste americano, ambientado nos anos 70. E mais do que atual. Bobbie (Vincent Kartheiser) é um adolescente -de novo- viciado, marcado pela violência familiar, que se vira como ladrão de máquinas de doces e refrigerantes. Sua única alegria é a namorada Rosie (Natasha Gregson Wagner), que não curte agulhas, mas cheira todo o pó que vê pela frente. O mundinho "harmonioso" do casal fica abalado quando Bobbie é espancado num furto e quase morre. A responsabilidade do "quase" é de Mel (James Woods), um veterano ladrão judeu que foi paramédico e trata do garoto com curativos e heroína. Depois, convida o casal a ser seu parceiro num grande roubo de drogas, ao lado de sua namorada, Sidney (Melanie Griffith). Até aqui o filme pode invocar "Drugstore Cowboy" (1989), de Gus Van Sant, entre tantos outros. Mas a Sidney de Melanie (a mesma de "Totalmente Selvagem", de Jonathan Demme, 1986) faz a diferença, com sua metralhadora, seu figurino fashion, picadas improváveis e um inesperado sentimento maternal. O quarteto vira uma família, e a delicadeza da interpretação do novato Kartheiser reforça a idéia. Na marginalidade e suas regras próprias, recuperam-se valores, como se fosse impossível fugir deles. A gravidez de Rosie fecha o ciclo. Um golpe frustrado separa a "família". E alguém tem de ser sacrificado por isso, outra tradição. Na fotografia e no ritmo alucinantes desse novo retrato de Clark, outra vez, há pouca esperança.