São José dos Campos, Domingo, 31 de janeiro de 1999

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PORNOGRAFIA ON LINE 2
A página virtual "Anjos Proibidos" traz manifesto dos que "se sentem atraídos por meninos"
Site desnuda mundo dos "boylovers"

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

"Boa tarde... Os meninos estão brincando agora?"
Passava um pouco das 17h45 quando, na última quinta-feira, a pergunta, de aparência inocente, invadiu a tela do computador que navegava pela Internet .
Era a porta de entrada para o site "Anjos Proibidos". O conjunto de textos e imagens que surgiu então trouxe à tona um mundo muito peculiar, ditado por regras que contrariam leis e condutas sociais em vigor no Brasil.
Lá habitam os "boylovers" (ou BLs) -expressão que a página virtual emprestou do inglês para designar "as pessoas que se sentem atraídas por meninos, seja essa atração de natureza física, sexual ou emocional".
O termo é estrangeiro, mas praticamente todo o conteúdo do site está em português.
Encontram-se ali dois tipos de textos, quase sempre sem erros gramaticais: os que funcionam como um manifesto e os que fazem as vezes de guia cultural.
Os primeiros recorrem à linguagem típica dos panfletos -didática, redundante e indignada. Tentam explicar o que os BLs pensam e de que modo agem. Também reivindicam o direito de "tal minoria" se organizar em associações semelhantes às "da Dinamarca e EUA", se expressar e exercer suas inclinações com liberdade.
A outra categoria de textos dá dicas de filmes, músicas, livros e sites norte-americanos que abordam, intencionalmente ou não, o universo de interesse dos "boylovers".
Introduz, ainda, uma galeria com 170 fotos e pinturas que exibem meninos famosos (o baterista Zac Hanson, por exemplo) e anônimos, nunca sem roupa nem em circunstâncias pornográficas.
O autor da página se identifica apenas como Julian. A Polícia Civil de Bragança Paulista afirma que, por trás do pseudônimo, se esconde o biólogo e monitor de acampamento Leonardo Chaim, preso no interior de São Paulo há 11 dias sob a acusação de pedofilia. Ele teria admitido, durante depoimentos, que criou o site.
No entanto, seu advogado, Paulo Celso Bastos e Souza, não confirma a versão policial. Mesmo assim, e-mails de internautas mandados para a página logo depois da prisão tratam Julian como Chaim.
O nome do site - "Anjos Proibidos"- coincide com o do livro que o fotógrafo Fábio Cabral lançou em 1991, retratando meninas e adolescentes seminuas.
A página de Julian está no ar pelo menos desde setembro de 1997 e já recebeu 92.769 visitas. As informações constam de textos colhidos dentro do próprio site na última quinta-feira.
Até ontem, continuava funcionando, embora sem as costumeiras atualizações mensais. Um comunicado do autor avisava: "Nos próximos meses, vou sair de férias. Dezembro, janeiro... talvez fevereiro... heheh... Vou mexer sim na página, mas não mensalmente como estava fazendo."
A onomatopéia "heheh" é uma marca de Julian. Aparece em muitos pontos do site e lembra a risadinha sarcástica de Beavis e Butt-Head, personagens de um dos desenhos animados mais populares entre adolescentes.
Outra marca do autor é o tom confessional. Julian aproveita a página para comungar detalhes de suas vivências como "boylover". Manifesta, até, o desejo de reunir os relatos em livro.
Diz que tem 26 anos, que nasceu em São Paulo e que desfrutou de uma infância feliz. "Com 11 anos", conta, "tudo aconteceu. Eu comecei a reparar no Marquinhos, um menino da escola. Ele era bonito, e as brincadeiras de passar a mão ocorriam o tempo todo."
Mais adiante, revela que se iniciou sexualmente aos 16 anos, com um primo de 11. Ensina como se deve agir para "ganhar" uma criança e reitera: "Essa página é uma homenagem aos seres mais perfeitos do universo, os meninos. Sem eles, minha vida não faria sentido. São ternos, puros e carinhosos, verdadeiros anjos que cruzam nosso caminho".
Em diversas partes do site, Julian diferencia "boylovers" de pedófilos e molestadores:
* "Os "boylovers' procuram ter, sobretudo, uma relação saudável e feliz com o garoto. (...) Mesmo que sintam desejo sexual, só irão expressá-lo no momento certo, quando o menino puder compreender e apenas se o menino consentir."
* "Os pedófilos buscam principalmente um relacionamento sexual, mas ainda assim de uma maneira a respeitar a criança, sem forçá-la a nada."
* "Molestadores utilizam a violência. (...) Suas ações são condenadas por toda a sociedade, inclusive pelos dois grupos anteriores."
Com base em tais definições, Julian expõe o código de ética dos BLs. E argumenta que, se os "boylovers" atuam de modo pacífico, não existe nenhum motivo justo para sofrerem tanta repressão.
Condena, assim, os "ataques" que recebem da imprensa, dos psicólogos e das instituições defensoras dos direitos infantis.
"Em épocas passadas, hereges, judeus, homossexuais e outros grupos foram o alvo preferido de perseguições tipo "caça à bruxa'", escreve. "Atualmente, isso acontece com os boylovers."
Julian adverte, ainda, que não há como esconder as crianças dos BLs. "O "boylover' está mais perto do que se pode imaginar. (...) Direciona sua vida no sentido de sempre ficar ao lado dos meninos. Muitos são professores, outros são técnicos de times infantis."
Na quinta-feira, o fórum de debates que o site costuma abrir para quem deseja opinar sobre o assunto trazia 44 mensagens, todas assinadas com pseudônimos. A maioria absoluta abordava a prisão do biólogo Chaim. Diziam se tratar de Julian.



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