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Convocações chegam a 26 e passam a citar fornecedores, que travam disputa de bastidor com montadoras
Recall bate recorde no último ano
LUÍS PEREZ
EDITOR-ASSISTENTE DE VEÍCULOS E CONSTRUÇÃO
O ano passado registrou um recorde no número de recalls de
veículos, segundo o Procon (Fundação de Proteção e Defesa do
Consumidor). Foram 26, contra 7
em 1999, 24 em 2000 e 14 em 2001,
levando-se em conta automóveis
de passeio e comerciais leves.
Entre as razões para o aumento
está, segundo especialistas, a
maior conscientização do consumidor. "O número de defeitos é
praticamente o mesmo. Os recalls
é que estão aumentando", afirma
José Aurelio Ramalho, 40, diretor
do Cesvi (Centro de Experimentação e Segurança Viária). "Aqui é
uma coisa ruim, tem um ar de terrorismo. Não é ruim, é bom."
"O defeito é lamentável, mas o
comunicado é louvável. Hoje se
questiona tudo, e a indústria tem
mais visão de longo prazo. Eles
têm mais medo de esconder do
que de mostrar o defeito", diz o
consultor Roberto Scaringella, 62.
"No passado, a questão de segurança era tabu na indústria automobilística. A gente vem de uma
escola em que a população valorizava mais a alta velocidade do que
a segurança", afirma.
Caso dos freios
Há um ano, um problema no
sistema de freios provocou recall
das quatro principais montadoras
do país (Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford), afetando 60
mil veículos. Todas esclareciam
que o problema estava no equipamento fornecido pela Continental
do Brasil Produtos Automotivos.
Desde então, tornou-se comum
que, em alguns comunicados, a
montadora citasse o fornecedor
que fabricou a peça defeituosa. Isso ocorreu duas vezes no final de
2002, com o recall dos tanques
dos Chevrolet Meriva e Celta.
Tal citação recebeu elogios do
Procon. "Isso não exime a montadora da responsabilidade. Mas,
quanto mais transparente for o
procedimento, melhor", conclui
Lucia Helena Magalhães, assistente de direção do órgão.
"Hoje você vê fornecedores de
sistemas completos, não de parafusos. Assim, a responsabilidade
acaba tendo de ser compartilhada
mesmo", explica Scaringella.
Esses procedimentos, segundo
a Folha apurou, são o sintoma
mais visível de uma disputa de
bastidores comentada à boca pequena por alguns fornecedores,
que evitam falar sobre o assunto
em uma entrevista formal.
Para eles, as montadoras (ou os
próprios fornecedores) pressionam por custos de produção menores e, com prazos cada vez mais reduzidos para o desenvolvimento de projetos, deixam o produto
final mais suscetível de defeitos.
As montadoras negam exercer
tal pressão, bem como a perda de
qualidade. "Pelo contrário, os recursos tecnológicos disponíveis
permitem rigorosas análises",
afirma José Carlos Pinheiro Neto,
vice-presidente da General Motors. Rogelio Golfarb, diretor de
assuntos corporativos da Ford,
tem discurso semelhante: "Em segurança não há economia".
Lacônica, a Volkswagen diz:
"Custa sensivelmente mais, para
qualquer fornecedor, produzir
um produto sem a qualidade necessária". Citar o fabricante da peça defeituosa, segundo a empresa,
"solidariza a responsabilidade".
Já a Ford informou, por meio de
sua área de comunicação, que
"nunca houve impedimento de
publicar o nome do fornecedor" e
que isso costuma ficar a critério
de cada situação e montadora.
Relação comercial
Os poucos fornecedores que
concordaram em falar pediram
que sua identidade fosse mantida
em sigilo. Deram para isso uma
forte razão: qualquer declaração
pode melindrar a montadora e
afetar a relação comercial.
Segundo um deles, a redução de
custos não incide só em determinada peça, mas sobre todo o processo. "Outra coisa é que antigamente um projeto durava dez, 20
anos. Hoje fica no mercado no
máximo cinco. Um carro é reestilizado em dois ou três anos."
Para ele, a pressão por custos
começa no consumidor. "Instalar
um novo motor em um carro
onera vários outros participantes
do processo. Mas ele não pode repassar o custo, pois o preço do
carro não pode aumentar. É a política de preços da montadora."
Estremecer a relação com a fábrica pode simplesmente matar o
fornecedor, às vezes uma pequena empresa. Um dos contratos
supostamente mais simples, o de
fornecimento dos mostradores
do painel de um compacto, vigente por quatro anos (vida útil do
carro), é estimado em US$ 120
milhões (R$ 440 milhões).
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