São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

CONTO DE FADAS 2008

Pesquisas sobre produtos com problemas eram proibidas pela Justiça Real, para não prejudicar as vendas

O REIZINHO DECRETAVA , naquele país da fantasia: "Não tenho nada a ver com a alta da inflação, nada mesmo. Subiu porque quis, porque quis".
O bobo das Finanças repetiu, com adaptações: "Essa inflação é alienígena. A nossa é pequenina".
Enquanto isso, Napoleões reuniam-se para cantar, dançar, contar piadas sem graça e recriar o imposto do pente e da escova. Isso mesmo, cada vez que um súdito penteasse o cabelo, mesmo que só tivesse meia dúzia de fios, pagaria a CCE (Contribuição Cabelo e Escova), que seria, segundo eles, totalmente empregada na cura da calvície e da caspa.
O bobo do Ambiente ficou com ciúme do seu colega das Finanças. Sorrindo, olhava as câmeras das TVs e dizia: "Árvores, fujam, façam greve. Refugiem-se no Mato Fino. Cuidado com o Mato Grosso".
Os consumidores desse país fantástico, enquanto isso, comemoravam. No último dia 27 de maio, completaram o total de dias de trabalho suficientes para pagar impostos, taxas e contribuições. Isso sem contar a futura CCE, aquela contribuição dos cabelos, lembram?
A boba do dossiê garantia: trem-puxa-puxa vai ligar Capadócia (maior cidade do reino) a Safardana. E, se sobrar dinheiro, Nenhures a Coisalguma.
O reizinho não parava um minuto. Visitava cada condado do reino, dizendo que reinar é como jogar coroabol (o futebol de lá): "A gente ganha, empata ou perde".
Todos aplaudiam, de acordo com a orquestração do bobo da Injustiça, pasta muito apropriada, devido ao fato de os bancos dos nobres lucrarem bilhões, e as estalagens, os ferreiros, os barbeiros e os menestréis ganharem muito pouco. Mas, até eles, vejam só, eram fãs do reizinho, pois ele era muito parecido com eles.
O xerife da floresta, Robin Hood, e sua quadrilha anunciavam um acordo: concorreriam todos juntos na próxima eleição.
Pesquisas sobre produtos com problemas de conservação e qualidade, vendidos nos supermercados, eram proibidas pela Justiça Real, porque prejudicariam as vendas.
Mas todos deixavam isso para lá, afinal, depois do Carnaval veio a Páscoa, e depois vários feriadões. E, como nesse reino das fábulas não faltam sol e calor, por que se irritar com coisas menores?
O Código de Defesa dos Aldeões era freqüentemente desrespeitado. A Inter-Reinos banda larga falhava o tempo todo. As empresas de reinofones celulares não tratavam os súditos como mereciam. Mas se queixar para quem, se tinham todo o apoio da Reinatel?
E a TV Real Digital foi uma fria, não vingou.
Bem, pelo menos nos aero-reinoportos, a bagunça diminuiu. Sim, as passagens aumentaram e todos tremem de medo de que haja novos acidentes graves.
Sem falar nas filas do Reisus, o sistema de saúde dos pobres do reino (servos e vassalos).
Na verdade, todos lamentam tal crônica negativa para se referir ao reino, que não pára de crescer. Sou vista como uma cronista de oposição, que nunca está satisfeita com nada. Vou ouvir um alaúde.


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