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Ensaio para abertura da Rio-16 tem fones para dançarinos e sigilo absoluto

Dançarinos requebram ao ritmo do "passinho" do funk carioca numa tenda. Em uma parede de escalada ao ar livre, bailarinos ensaiam movimentos precisos. Atletas de parkour (esporte urbano para ultrapassar obstáculos) são orientados a dar saltos arriscados em meio a uma complexa coreografia em um palco imaginário.

Com fones, cada integrante ouve a sua música e as instruções dos coreógrafos. Para quem observa, tudo acontece quase em silêncio, quebrado pelo som dos carros e dos trens da vizinhança.

Como se montassem um enorme quebra-cabeças, centenas de artistas e voluntários ensaiam diariamente, em sigilo, todos os detalhes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, o espetáculo mais midiático da competição.

A audiência prevista para o show é de quase 1 bilhão de espectadores pela televisão em mais de 150 países. No Maracanã, palco da cerimônia, estarão 46 mil pessoas, entre convidados e pagantes.

A Folha teve acesso aos bastidores do show e acompanhou na quinta (23) por três horas e meia os ensaios.

O local escolhido para o treinamento é uma antiga área militar de 39 mil metros quadrados (o equivalente a 18 campos de futebol) com vista para o estádio, na zona norte do Rio.

"Isso aqui é uma organização militar tocada por artistas. Temos que tirar o melhor dos dois mundos para tudo dar certo no dia 5 de agosto [data da abertura da Olimpíada]", diz Leonardo Caetano, diretor de Cerimônias da Rio-2016.

Ele é o responsável por coordenar uma legião de quase 12 mil atores, dançarinos e figurantes, além de mil produtores de 30 nacionalidades, envolvidos no evento.

As atrações da festa são mantidas em segredo. Caetano Veloso, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes são alguns cotados para cantar no espetáculo.

Concebida para durar quase quatro horas, a abertura dos Jogos é dirigida por Fernando Meirelles, Andrucha Waddington e Daniela Thomas e pretende contar a formação da sociedade brasileira com o objetivo de mostrar que a imigração é positiva.

O roteiro é uma síntese da cultura popular embalado pelo ritmo vigoroso da música brasileira, com coreografias criadas por Deborah Colker.

O samba deve ocupar quase 20% da cerimônia. Ritmistas de baterias de escola de samba do Rio vão participar da festa.

Sem o mesmo luxo dos Jogos de Pequim-08 e de Londres-12, os diretores do evento pretendem surpreender o público com "as coreografias de massa" protagonizadas pelos voluntários no gramado do Maracanã.

Com seis cerimônias de Jogos Olímpicos na carreira, o norte-americano Steve Boyd é o responsável por replicar para todo o elenco do show as coreografias idealizadas por Colker.
A sustentabilidade é um dos focos do espetáculo.

"O forte da nossa cerimônia será trabalhar com mais gente e menos coisas e objetos de cena. Porque, quando a festa termina, as coisas geram lixo", explicou Leonardo Caetano

ISOLAMENTO

A "Broadway olímpica" funciona de 9h a cerca de 23h diariamente. Por lá, a agitação é constante desde maio.

Apesar do entra e sai desenfreado, o local fica numa região quase deserta da cidade, espremido entre a estação de trem do Maracanã e o morro da Mangueira.

Para manter o isolamento, os produtores fecharam o espaço com cercas de mais de três metros que impedem os olhares dos curiosos.

O horário de pico é o início da noite, quando centenas de voluntários chegam para o ensaio de suas coreografias. Na quinta, cerca de 800 participaram do treinamento.

Todos os envolvidos assinaram um acordo de confidencialidade, que prevê multa pesada (valor não divulgado) em caso de quebra do contrato.

Na entrada, eles ganham as chaves dos seus armários e o fone, que serve para ouvir os recados dos coreógrafos. Em seguida, recebem lanches e os coletes de identificação.

Numa enorme tenda, os voluntários assistem a uma palestra antes de seguir para uma imensa pista de asfalto. Lá, os produtores desenharam duas réplicas do gramado do Maracanã.

Cheio de marcações, a pista se transforma num palco, onde diferentes grupos ensaiam as suas coreografias.

"Os fones servem para não atrapalhar os outros grupos. Imagina cada tipo de música sendo tocada para todos esses grupos ao mesmo tempo. Todos sairiam tontos daqui", brincou Caetano.

"Fora isso, esses aparelhos nos dão mais tempo para trabalhar de noite sem atrapalhar e chamar a atenção dos vizinhos", acrescentou.

Experiente em cerimônias olímpicas, a italiana Sara Berutto diz que o segredo para o sucesso do evento é "essa adição de trabalhos pequenos que no final faz o show". "A solidariedade existe aqui. Precisamos da pessoa que entrega a chave dos armários, do outro que coloca as cadeiras na sala de reunião. Se essas pessoas não são valorizadas, o show não sai no final", disse a italiana de Turim, gerente de elenco de voluntários.

ESPAÇO AÉREO FECHADO

O cuidado para não vazar os detalhes da festa é tanto que os organizadores conseguiram autorização da Anac para fechar o espaço aéreo do Maracanã num raio de um quilômetro.

Há cerca de dois meses, helicópteros registravam as primeiras mudanças dentro do estádio. Um palco está sendo erguido lá. O estádio está recebendo cenografia e luz especial.

"A nossa intenção é surpreender o espectador. Queremos que o torcedor chegue lá e encontre um Maracanã completamente diferente", contou Caetano, que também coordena a cerimônia de encerramento da Olimpíada e as outras duas da Paraolimpíada.

Neste mês, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), disse que precisa de R$ 250 milhões para bancar as quatro cerimônias. Pediu ajuda ao presidente interino Michel Temer.

SEM PROTESTO

Responsável pela seleção do elenco, a coreógrafa Renata Vieitas tem também a tarefa de controlar a emoção dos envolvidos no espetáculo. "É um evento único. Nem a emoção do Carnaval se compara. Mas fazemos um trabalho emocional bacana com as pessoas. Todos vão segurar bem", disse a coreógrafa, que já foi diretora de harmonia da Portela.

Em 2013, três voluntários protestaram durante a festa de encerramento da Copa das Confederações. Eles levantaram faixas contra a privatização do Maracanã e o preconceito.

"Não acredito que isso vai se repetir. Todos estão trabalhando há meses para esse evento. A pessoa pode até chegar com a vontade de protestar, mas ela se apaixona quando entra aqui dentro", afirmou.

A 38 dias para a abertura dos Jogos, os ensaios vão se intensificar a partir de agora. Mesmo assim, o elenco completo só vai se encontrar duas vezes antes da cerimônia. Em agosto, eles farão dois ensaios gerais no Maracanã.

"A sincronia é fundamental num evento tão grandioso. Todos estão treinando muito. Isso deixa os envolvidos seguros dos seus movimentos na festa. Queremos que todos cheguem lá para se divertir. Não será a cerimônia mais cara da história, mas será a mais emocionante de todas", disse o diretor das festas.

O BELO DE JARDINÓPOLIS

O dançarino Rogério Conga, 37, virou celebridade na pequena Jardinópolis (SP) ao ser escolhido para integrar o elenco da cerimônia de abertura. Ele ganhou até patrocínio de uma agência de viagens da cidade para ajudar a realizar o seu sonho: dançar no Maracanã lotado.

"Estou nervoso por ser uma experiência inacreditável. O coração já bate mais forte nos ensaios. Fico imaginando como vai ser no dia da cerimônia", disse Conga, conhecido no município como Belo por causa de sua semelhança com o pagodeiro.

Até agora, a agência já bancou seis passagens aéreas para o dançarino ensaiar no Rio. No próximo mês, ele ficará em definitivo na capital fluminense até o final dos Jogos e já alugou uma quitinete em Copacabana para descansar. Até lá, o voluntário terá feito 15 sessões de ensaio.

Na cidade distante 329 km de São Paulo, ele já deu entrevistas para rádios locais e ganhou três minutos e meio em um telejornal de uma afiliada da TV Globo na região.

"O município todo está feliz. Quero representar cada um dos moradores no Maracanã. A Olimpíada é também de Jardinópolis", disse o dançarino, que já foi candidato a vereador em 2008. Com 74 votos, ele não conseguiu se eleger.

O gerente Maicon Lopes, 30, "largou tudo" em Brasília para participar da cerimônia. Ele fez um acordo com a sua chefe, que também tem negócios no Rio, e conseguiu transferência para a cidade até o final da Olimpíada.

"Onde vou ter a oportunidade de dançar para uma plateia dessa outra vez? Quando recebi o recado que fui aprovado, larguei tudo e estou aqui feliz", contou Lopes.

Gerente de elenco, a italiana Sara Berrutto diz que os voluntários são os responsáveis pela "emoção única" da festa.

"Sem eles, não poderíamos fazer esse espetáculo. Se as pessoas querem um profissional, elas precisam ir a Broadway. Aqui as pessoas têm história. Têm paixão pelo país e pela cidade. Por isso, é um espetáculo completamente diferente", afirmou a italiana.

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