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Trigêmeas estonianas competem entre si na prova olímpica da maratona na Rio-16

Enquanto Lea Luik esperava dentro de um táxi da era soviética, seu marido, Henno, carregava as recém-nascidas da enfermaria para o carro. Uma, depois duas, depois três.

Da maneira pela qual a história veio a ser contada, a graça está sempre na reação do taxista: "Vocês vão esvaziar o hospital?"

As irmãs Leila, Liina e Lily nasceram prematuras, um mês antes da data prevista. Nenhuma delas pesava mais de dois quilos. Por diversas semanas, sua casa foi como que uma unidade de terapia intensiva. Passados 30 anos, as irmãs são maratonistas pela minúscula Estônia, e ao que se sabe são as primeiras trigêmeas qualificadas para disputar a Olimpíada, de inverno ou verão.

O trio do Rio é a aliteração que as irmãs empregam para se descrever, em seus preparativos para a maratona feminina, que será disputada em 14 de agosto no Rio de Janeiro.

"Tivemos de lutar para sobreviver desde que nascemos", contou Lily Luik em recente entrevista, na tranquila cidade universitária de Tartu, com suas saunas flutuantes que navegam sossegadas pelo rio Mother. "Temos um espírito batalhador".

O COI (Comitê Olímpico Internacional) informou que não tem registros específicos sobre atletas irmãos, mas que "diversas fontes confiáveis reportam que esta será a primeira vez que trigêmeos competirão nos Jogos Olímpicos".

Entre essas fontes está Bill Mallon, norte-americano que foi cofundador da Sociedade Internacional de Historiadores Olímpicas e mantém um banco de dados sobre 12 mil atletas olímpicos e suas famílias. Mellon diz que 200 pares de gêmeos disputaram a Olimpíada, quase sempre na mesma prova, entre os quais Pavol e Peter Hochschorner, da Eslováquia, na canoagem, que ganharam o ouro no slalom para duplas em 2000, 2004 e 2008.

Mas Mallon disse ter "99,9%" de certeza de que nenhum trio de gêmeos participou de Olimpíada, quer no mesmo ano, quer em anos distintos. "É um acontecimento raro o suficiente para que tivesse sido mencionado", ele disse. "Coisas assim não acontecem sem que ouçamos".

Poderia parecer ainda mais raro encontrar atletas trigêmeos de elite vindos de um país como a Estônia, que garantiu sua independência em 1991, deixando a antiga União Soviética. O país tem pouca tradição nas provas femininas de corrida de longa distância e tem apenas 1,3 milhão de habitantes, o que o torna um dos menores da União Europeia. (Os estonianos brincam: "A Estônia está com um problema de imigração: três famílias se mudaram para o país. 'Ei, isso não é muito'. Mas o número real é sete".)

As irmãs Luik só começaram a correr a sério seis anos atrás, quando tinham 24.

"É espantoso que vão para a Olimpíada competir na mesma prova", disse Harry Lemberg, o treinador das trigêmeas. "É um país tão pequeno".

Andy Clark/Reuters
Os irmãos Pavol e Peter Hochschorner, da Eslováquia, durante prova da canoagem em Sydney-2000
Os irmãos Pavol e Peter Hochschorner, da Eslováquia, durante prova da canoagem em Sydney-2000

TEMPO DE QUALIFICAÇÃO

Cada país é autorizado um máximo de três atletas na maratona olímpica. As irmãs Luik se qualificaram sob o padrão B de tempo para a maratona, de duas horas e 45 minutos. O melhor tempo pessoal de Leila é duas horas, 37 minutos e 11 segundos. Liina tem como melhor tempo 2h39min42seg, e Lily 2h40min30seg. Por coincidência, ou não, seus tempos de qualificação seguem a mesma ordem de seu nascimento.

Os tempos do trio não se comparam ao recorde olímpico de 2h23min7seg estabelecido por Tiki Gelana, da Etiópia, ao conquistar o ouro na Olimpíada de Londres, em 2012. Não há grande expectativa de que qualquer das irmãs Luik possa disputar uma medalha no Rio. Ainda assim, Lina Luik concluiu em 27º lugar a maratona durante o mundial de atletismo de 2015 em Pequim, no melhor desempenho de sua carreira, e espera ficar entre as 20 mais rápidas no Rio.

Lily Luik ficou em 38º lugar no mundial de atletismo. Dado o histórico quase inexistente da Estônia nas provas femininas de longa distância, diz o historiador olímpico Taavi Kalju, "seria ótimo se elas terminassem entre as 50 melhores no Rio".

Treinar trigêmeas, descobriu Lemberg, tem suas vantagens e desvantagens. Maratonas são uma empreitada solitária, capaz de gerar sentimentos de abandono e isolamento. Mas as irmãs Luik na prática formam uma equipe, que oferece apoio e encorajamento permanente e a oportunidade de forçar limites em competição com rivais conhecidas e nada hostis.

"As três juntas se dão muita energias umas às outras", disse Leila Luik. "Nenhuma de nós quer ser a mais lenta. Nós forçamos, forçamos, forçamos".

No passado tímidas e relutantes em atrair atenção, as irmãs agora são divertidas e entusiásticas. Completam as sentenças umas das outras e zombam de seus cabelos loiros tingidos. "Na verdade, somos marrons como batatas".

Pouca gente consegue distingui-las com facilidade, mas como corredoras as trigêmeas não têm exatamente a mesma velocidade ou capacidade de oxigenação. Não se recuperam exatamente da mesma maneira de seu treinamento desgastante. Há variedade em sua forte semelhança.

Sabendo disso, Lemberg agora desenvolve exercícios separados para cada irmã. Ele disse ter buscado os conselhos de Renato Canova, renomado treinador que prepara as gêmeas alemãs Anna e Lisa Hahner, que também devem disputar a maratona olímpica no Rio.

"Se elas estão juntas, acreditam o tempo todo que as irmãs ajudarão", disse Lemberg. "Se estão sozinhas, não recebem ajuda. Precisam fazer tudo sozinhas. Assim, um atleta se torna mais competitivo".

As irmãs dizem que compreendem. Quando meninas, sofriam ansiedade se eram separadas na escola. Mas agora vivem sozinhas. Farão 31 anos em outubro, e se manterão sempre muito próximas, mas também são adultas vivendo vidas separadas.

Liina passa muito tempo com o namorado em Tallinn, a capital da Estônia. Leila está noiva. Leila e Lily são pintoras, e começam a vender suas obras - flores, retratos e paisagens. Outro de seus temas são os cisnes (que em estoniano levam o nome "luik", o mesmo de sua família), que elas pintam em canecas e nas jaquetas que usam nos treinamentos.

"Se você treina sozinha, se força a prestar atenção ao seu corpo e ao seu ritmo", disse Liina Luik, que tem cisnes tatuados no antebraço. "Se está correndo em companhia, talvez a mais forte corra um pouco mais devagar do que deveria, em um treino. Ou a irmã mais fraca pode exagerar no esforço".

Lemberg também é sensível a outro aspecto do treinamento de trigêmeas. Ele fala com elas em grupo e individualmente, mas tem a regra de não falar sobre a saúde, treinamento ou vida pessoal de uma das irmãs às demais.

"Se ele fala de mim, não deveria fazê-lo com as outras", disse Liina Luik. "Não gostamos disso".
 
ESTRATÉGIA PARA A PROVA OLÍMPICA

No Rio, as irmãs terão a tentação de marcar o ritmo umas para as outras, ou de aproveitar o vácuo uma das outras se no dia da prova houver muito vento, a fim de experimentar juntas o ponto alto de suas carreiras: trigêmeas idênticas com resultados idênticos. Mas é impossível prever como uma maratona vai se desenrolar. Para obter seus melhores resultados, elas sabem que devem correr separadas, e não juntas.

Por enquanto, disse Lemberg, a estratégia pode ser de que Liina, que está em melhor forma, corra à frente enquanto Leila e Lily correm mais atrás.
Liina Luik disse que se sente um pouco dividida sobre como correr na maratona olímpica.

"Como esportista no Rio, o certo é correr da melhor maneira que você puder", ela disse. "Se você pensar como equipe ou como irmã em seu coração, talvez o melhor seja terminarmos a prova juntas. Mas se eu sentir que meu melhor tempo pessoal pode acontecer, vou tentar fazê-lo".

Nascimentos prematuros e baixo peso ao nascer são comuns entre trigêmeos. Mas, de acordo com especialistas em pediatria, em 1985, quando as trigêmeas Luik nasceram, os médicos estonianos já haviam começado a desafiar a tradição soviética de permitir pouco contato entre a mãe e os recém-nascidos no hospital, e de deixar o pai de fora.

Alguns médicos estonianos advogavam que mulheres pudessem amamentar os filhos na unidade de terapia intensiva e que mães e pais tivessem contato estreito e carinhoso com seus bebês tão logo possível, depois do nascimento.
As irmãs Luik se tornaram tão ativas, desde cedo, que sua avó dizia à mãe que "essas meninas não sabem andar; elas só correm". Ainda assim, Lea Luik as matriculou em aulas de música, preferindo que tocassem piano, violino e violoncelo, em lugar de praticar esportes. Mesmo hoje, diz Lea, rindo, ela preferiria que as filhas não fossem maratonistas.

Lily Luik disse que "ela não acha que o esporte profissional seja um trabalho normal para uma mulher. Ela acha que vamos terminar na cadeira de rodas quando velhas".
 
DE DANÇARINAS A MARATONISTAS

As trigêmeas se tornaram dançarinas profissionais de hip-hop e de dança contemporânea depois de terminarem o segundo grau, foram professoras de dança e apareceram em um vídeo de música. Também trabalharam como salva-vidas, o que requeria correr como parte do treinamento. Uma colega sugeriu que elas tentassem correr competitivamente. Em 2010, procuraram Lemberg, que é presidente do Clube Acadêmico de Esportes da Universidade de Tartu, para que as treinasse.

Em 2011, Liina e Leila Luik dividiram os títulos nacionais nos 10 mil metros, meia maratona e maratona. A dança parece tê-las ajudado como corredoras, disse Lemberg, por ter reforçado seus tornozelos, ajudado a criar uma postura mais firme e contribuído para suas passadas silenciosas e econômicas.

"Eu achava que elas só queriam correr nos finais de semana", disse o treinador. "Mas depois de um ano compreendi que  desejavam algo de mais sério".

No masculino, atletas estonianos conquistaram duas medalhas de ouro olímpicas no atletismo desde a queda do bloco soviético. Ekki Nool venceu o decatlo na Olimpíada de Sydney, em 2000, e Gerd Kanter venceu no arremesso de disco em Pequim, em 2008. Mas as corredoras de longa distância estonianas não conquistaram grande sucesso internacional.

O recorde nacional feminino na maratona, 2h27min4seg, foi conquistado quase duas décadas atrás, em 1997, por Jane Salumae, que venceu maratonas em grandes cidades como Roma, Los Angeles e Viena e terminou em quarto lugar na maratona do campeonato europeu de atletismo em 2002. Mas em suas duas participações olímpicas, a melhor posição que conseguiu foi um 44º lugar.

Talvez, disseram as irmãs Luik, a visibilidade que obtiveram estimule mais mulheres estonianas a participar de corridas de longa distância. Uma prova de sete quilômetros para mulheres em Tallinn atraiu mais de 10 mil participantes, em maio. "Mostramos que nunca é tarde demais para iniciar uma carreira profissional", disse Liina Luik.

Depois do Rio, as três irmãs considerarão se devem continuar e tentar a olimpíada de 2020 em Tóquio. E disseram também que podem tentar bater o recorde mundial de 2h15min25seg detido por Paula Radcliffe, da Inglaterra. Mas é claro que estavam brincando. Talvez, disseram, cada uma delas pudesse correr um terço de uma maratona, em um revezamento camuflado, com as substituições acontecendo na pista sem que os demais atletas percebessem.
Leila Luik riu.

"Podemos nos esconder nos arbustos".
 
Tradução de CLARA ALLAIN

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