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Favorito a três pódios na canoagem, Isaquias não abandona suas origens

O baiano Isaquias Queiroz, 22, deixou suas raízes em Ubaitaba há sete anos para remar o Brasil e o mundo em uma canoa. Nunca abandonou, entretanto, sua própria natureza.

Prova é que na manhã gelada de 14 de junho, uma terça-feira, o dono de três títulos mundiais e potencial candidato a medalha de ouro no Rio tomou seu desjejum às 7h, calçou chinelos, pôs bermuda e camiseta e desembestou em direção ao treino.

Ao chegar à raia em que treina, em Lagoa Santa, cidade de pouco mais de 50 mil pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte, deu-se conta de que não estava no abafado calor nordestino.

O termômetro apontava 11ºC, mas a sensação térmica, somada à ação da lagoa, subtraía alguns graus preciosos.

Trêmulo, ainda com os lábios roxos, Isaquias se apressou em vestir a roupa de treino, que cobre quase todo o corpo, e levar à água a canoa, sobre a qual passaria as duas horas e meia seguintes.

Sob ordens do espanhol Jesús Morlán, que o orientava e seguia de uma lancha, deu dezenas de "tiros" de 400 m, de maior ou menor intensidade, intercalados com períodos breves de recuperação.

Ao cabo das horas, deixou a raia exausto. O frio se dissipara e dera lugar ao suor. Mal podia erguer os braços. Depois tudo fez sentido. Isaquias foi avisado por Morlán que havia batido todas as parciais que o espanhol David Cal fizera em 2011, consideradas de nível altíssimo.

Cal é o maior medalhista olímpico da Espanha e uma lenda da canoagem velocidade, dono de cinco pódios entre os Jogos de Atenas-04 e Londres-12, sempre sob o comando de Morlán. De modo solitário, observado só pelas capivaras que vivem às margens da lagoa, Isaquias conseguiu um feito expressivo.

Daqui a um mês, espera aprimorar o feito. O baiano é favorito ao pódio nas três provas que vai disputar nos Jogos : as individuais C1 200 m e C1 1.000 m e o C2 1.000 m, em dupla com Erlon Souza.

A parceria foi campeã mundial em 2015, em Milão. No mesmo campeonato, ele obteve bronze nos 200 m.

Tal consistência fez com que ele e Morlán decidissem tentar três pódios no Rio. Ele acabou beneficiado por uma manobra no calendário olímpico, barganhado pela CBCa (Confederação Brasileira de Canoagem), que aumentou o intervalo entre as disputas das duas provas de 1.000 m.

Se for bem-sucedido, Isaquias obterá um feito: nunca um competidor brasileiro deixou uma Olimpíada com mais de duas láureas no peito.

Isaquias se tornou um fenômeno que explodiu neste ciclo olímpico, mas bem que poderia nunca ter acontecido.

Descoberto em um projeto social em 2005 na sua cidade natal, ele quase viu a canoa afundar sete anos depois.

Ficou fora dos Jogos de Londres e cogitou parar. "Não tinha mais ritmo nem vontade de competir. Além disso, sentia saudade de casa", contou.

A trajetória errante acabou nos primeiros meses de 2013, quando seu caminho se cruzou com o de Morlán. Contratado pelo Comitê Olímpico do Brasil, o espanhol se mudou para São Paulo, onde encontrou o cambaleante Isaquias.

Com um mês de trabalho conjunto, o canoísta obteve medalha em uma etapa da Copa do Mundo. "Não dava para imaginar que eu chegaria ao Rio como favorito. Mas aquele ouro na Copa acendeu a expectativa de pódio no Rio."

Jeff Swinger/USA Today Sports/Reuters
Jul 13, 2015; Welland, Ontario, CAN; Isaquias Queiroz Dos Santos of Brazil celebrates after winning the men's C1 1000m final during the 2015 Pan Am Games at Welland Pan Am Flatwater Centre. Mandatory Credit: Jeff Swinger-USA TODAY Sports ORG XMIT: USATSI-230612
Isaquias comemora a primeira medalha de ouro no Pan

ZOEIRA

Em termos de humor, Isaquias se assume um "duas caras". "Eu sou meio maluco beleza. Me divirto, brinco, faço zoeira. Às vezes fico de cara fechada, mas é raro", disse. "Tem uma parte minha que é muito brincalhona e outra que é séria e focada."

Quando incorpora a primeira, explode o volume do som na casa onde vive em Lagoa Santa com outros remadores. Na trilha sonora não faltam Wesley Safadão, bandas de arrocha e música sertaneja.

Vaidoso, ele gosta de fazer progressiva no cabelo antes de competir no exterior.

Pelo corpo, tem quatro tatuagens: uma com símbolos maoris no braço direito e peito, os nomes dos pais e um autorretrato baseado em foto de quando foi bicampeão mundial no C1 500 m, em Moscou-2014. O próximo desejo é tatuar os aros olímpicos. Mas só depois dos Jogos, com três medalhas no peito.

SUPERAÇÕES

Ele se exaspera quando o assunto é seu passado sofrido. De origem humilde, hoje se orgulha em dizer que tem três patrocinadores pessoais.

O baiano passou por duas situações graves de saúde: com 3 anos sofreu queimaduras pelo corpo quando uma panela de água escaldante foi derramada por descuido de uma cuidadora. Após um mês no hospital e pedidos da mãe, Dilma, acabou liberado.

Aos 10, caiu de uma árvore e sofreu hemorragia interna que provocou a retirada de um rim. "A gente chama ele de 'sem rim'. Ele só fica chateado se contam a versão errada", disse Erlon Souza, companheiro no C2 1.000 m e espécie de irmão do baiano.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
LAGOA SANTA, MG, BRASIL. 10.12.2014. Isaquias Queiroz com C1 mil metros, durante o treino da manha em Lagoa Santa, em MG; o tecnico espanhol Jesus Morlan, da equipe brasileira de canoagem, escolheu a cidade, alugou uma casa para a equipe, contratou cozinheiro e esta satisfeito por ter tranquilidade para os treinos e melhor preparacao para os Jogos Olimpicos de 2016. (Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, ESPORTE). ***EXCLUSIVO***
Isaquias Queiroz com C1 mil metros em treino na Lagoa Santa, em MG, em 2014

REFÚGIO

Fortaleza. Refúgio. Big Brother. Assim é chamada a casa que abriga quase todos os canoístas de velocidade da seleção em Lagoa Santa, entre os quais Isaquias Queiroz.

Desde que se mudaram para a residência na cidade mineira, em outubro de 2014, o grupo disparou em sintonia e resultados. Além dos atletas, vivem nela o técnico espanhol Jesús Morlán e o fisioterapeuta Alex Vendrani, que se ocupam de administrá-la –o COB e um patrocinador da CBCa dão os recursos.

O grupo tinha como base São Paulo (treinava na represa de Guarapiranga ou na USP), mas preferiu trocar o trânsito pela calmaria. "É um Big Brother da canoagem, mas sem câmeras. Convivemos 24h, todos na mesma casa", contou Vendrani, sem esconder que também há desavenças, principalmente em épocas intensas de treino.

O espaço tem piscina, cozinheiro e aparelhos de musculação. Os treinos ocorrem de segunda a sábado, com uma ou duas sessões na água, e complementos com academia e corridas.

RAIO-X ISAQUIAS QUEIROZ

Nascimento
3.jan.1994 (22 anos)

Local
Ubaitaba (BA)

Altura
1,75m

Principais conquistas
- Ouro (C1 1.000m e C1 200m) e prata (C2 1.000m) nos Pan de Toronto-2015
- Ouro (C1 1.000m) nos
Jogos Sul-americanos
de Santiago-2014
- Bicampeão (C1 500m) mundial (2013 e 2014)
- Campeão (C-2 1.000m) mundial (2015)
- 3º colocado no Mundial
(C1 1.000m), em 2013;
(C2 200), em 2014; e
(C1 200), em 2015

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