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Aos 16, mesatenista dos EUA quer usar Olimpíada para disseminar esporte

Kanak Jha não sabe quando decidiu mudar. Acha que talvez tenha sido aos 9 ou 10 anos. Não se lembra do momento exato, mas sabe que foi significativo, mesmo assim.

"Acho que foi meio repentino", ele disse em conversa recente. "Comecei sem nem pensar. Passei a dizer tênis de mesa em vez de pingue-pongue".

Ele para, pensa. "Acho que foi porque era isso que eu estava jogando".

Carsten Snejbjerg/NYT
Jha hitting a forehand. The key to successful table tennis is a player's mastery of spin. Credit Carsten Snejbjerg for The New York Times
Jha hitting durante treino em Halmstad, na Suécia, em preparação para a Rio-16

A distinção pode parecer apenas semântica. Mas a diferença entre pingue-pongue (um jogo em geral associado a churrascos, salões de jogos em condomínios e ocasiões familiares) e tênis de mesa (um esporte com mais de 200 federações nacionais em todo o mundo) é substancial. Se não fosse, Jha não teria se mudado para Halmstad, na Suécia, a cerca de 8,8 mil quilômetros de sua casa no norte da Califórnia, a fim de treinar cinco ou seis horas por dia com alguns dos melhores técnicos do mundo, na preparação para a Olimpíada do Rio de Janeiro.

Aos 16 anos, Jha é o primeiro atleta dos Estados Unidos nascido nos anos 2000 a obter qualificação para uma olimpíada, e sua esperança — pelo menos por enquanto — é a de que seu desempenho valha maior reconhecimento a um esporte que, para muitos norte-americanos, é mais conhecido como apenas uma diversão decente para um dia de chuva no acampamento de férias.

Como a maioria dos jogadores, Jha é fascinado por bolas de efeito — topspin, sidesping, backspin. Isso é o que separa os jogadores mais talentosos de tênis de mesa da turma do "o que importa é rebater" que a gente encontra no clube social de pingue-pongue que a atriz Susan Sarandon opera em Manhattan, ou, talvez, no recreio da escola.

O efeito é tudo no tênis de mesa, quer seja para controlar um ponto depois de um saque impossivelmente forte ou para disparar um retorno de uma posição metros atrás da mesa. Efeito é o que Jha começou a aprender pouco depois de se iniciar no jogo, aos cinco anos de idade (seus pais costumavam jogar com a irmã dele), e foi isso que o destacou dos demais estudantes na oitava série, quando ele dominou seus colegas de classe durante todo o programa de pingue-pongue no curso de educação física da escola.

E é por causa das bolas de efeito que ele está aqui.

Carsten Snejbjerg/NYT
Jha, at left corner of the table, and other players in Halmstad. Ulf Carlsson, a coach, is at the far left. Credit Carsten Snejbjerg for The New York Times
Jha chega ao treino de tênis de mesa em Halmstad, na Suécia

Certa manhã recente, Jha chegou pouco depois das 8h30 à Halmstad Arena. Alguns outros jogadores jovens há estavam treinando em algumas das 19 mesas instaladas na sala, mas Jha foi para o extremo oposto da área e iniciou uma série de exercícios físicos concebidos para alongar e reforçar suas pernas e lhe dar mais agilidade e tempo de reação mais rápido. Por quase uma hora, ele não pegou na raquete.

Seu treinador, Douglas Jakobsen, é filho de Mikael Andersson, veterano dirigente do tênis de mesa internacional que conheceu Jha há quatro anos em um torneio juvenil na Áustria. Andersson se interessou por Jha, que vinha trabalhando com o treinador alemão Stefan Feth, também treinador da equipe nacional de tênis de mesa dos Estados Unidos. Andersson desenvolveu um relacionamento com Jha e sua família, e foi a peça central no esforço para convencer o jovem atleta a se mudar para a Europa.

Para Andersson, a Suécia, que tem um forte histórico no tênis de mesa — o qual inclui Jan-Ove Waldner, encarado por muitos como o maior jogador da História —, era o único lugar em que Jha poderia acelerar seu desenvolvimento da maneira requerida.

"Pensei que estar na situação que temos poderia realmente ajudar Kanak", disse Andersson. "Poder treinar com e jogar contra grandes jogadores, jogadores internacionais, todos os dias é algo que ele não teria nos Estados Unidos. Há grandes treinadores lá, mas fazer parte de um grupo é a melhor coisa. Um atleta precisa de competição".

Jha visitou Halmstad pela primeira vez aos 13 anos. Lembra-se de ter ficado espantado com o profissionalismo do clube, um dos mais respeitados da Europa. A qualidade dos treinadores, liderados pelo ex-campeão mundial Ulf Carlsson, importava, com certeza, e o calibre dos demais jogadores também era alto. Mas foi o compromisso de cobrir o esporte em todas as suas facetas que mais se destacou. Jha não estava acostumado a condicionamento físico longe da mesa de jogo. Em Halmstad, esse trabalho adicional é visto como crítico.

Carsten Snejbjerg/NYT
Jha's homework lying among the items scattered on the floor of his apartment in Halmstad. He takes high school courses online. Credit Carsten Snejbjerg for The New York Times
Jha em seu apartamento, que divide com a irmã

Jha começou a visitar o clube diversas vezes por ano e no final de 2015 chegou para morar no país de vez, jogando pelo clube em suas diversas ligas e torneios. Agora, ele inicia a maior parte de seus dias com Jakobsen, se exercitando em meio a discos e cordas espalhados pelo chão e correndo para apanhar uma pequena bola de futebol que Jakobsen lança aleatoriamente diante dele.

Todos esses exercícios ajudam Jha a reagir com mais rapidez durante as partidas e, a despeito de seu físico compacto e espigado, lhe oferecem uma base poderosa da qual se lançar às suas jogadas. O cerne muscular de seu corpo é o que lhe permite girar o corpo e rebater bolas de efeito, com forehands agressivos e backhands que parecem vir equipados com freios.

"Você precisa de muita explosão muscular para poder movimentar os quadris com a velocidade necessária", disse Jha. "As pessoas não percebem, mas é como a largada de uma corrida de 100 metros rasos. Você precisa disparar".

Se isso parece difícil de imaginar para um jogo disputado em uma superfície menor que a de muitas mesas de jantar, basta assistir ao trabalho de Jha, Depois de encerrar os exercícios com Jakobsen, ele começa a sessão de treinamento do primeiro time, saltando para frente, para trás e para os lados enquanto enfrenta um colega, depois treinando cortadas repetidamente, em uma sessão de alta velocidade conhecida como multibolas, na qual o treinador atira bolas rapidamente na direção de um jogador.

Nas pausas, Jha ocasionalmente conversa com os outros jogadores —- a maioria dos quais muito mais velhos — mas em geral se concentra em sua técnica, treinando os gestos de diversas jogadas ou indo a uma mesa treinar saques.

"Kanak é jovem, mas muito dedicado", disse Mattias Karlsson, um dos melhores jogadores do Halmstad. "Às vezes esquecemos de como ele é jovem. Ainda está aprendendo".

Jha admite prontamente que, em muitos aspectos, continua a ser criança. Divide um pequeno apartamento em Halmstad com a irmã Prachi, também uma jogadora talentosa de tênis de mesa e membro da equipe feminina do clube (ela voltará aos Estados Unidos este ano para começar a faculdade.)

O apartamento, que fica bem perto da arena, tem uma cozinha pequena, um aposento com duas camas, um sofá de segunda mão e um pequeno banheiro com uma maçaneta remendada com fita adesiva. Jha se acomoda em um banquinho baixo para fazer seus trabalhos escolares de segundo grau, e passa boa parte de seu tempo livre assistindo a jogos de tênis de mesa na Internet ou assistindo à programação da Netflix.

Carsten Snejbjerg/NYT
Jha at the apartment he shares with his sister, also an accomplished player, while training in Halmstad. Credit Carsten Snejbjerg for The New York Times
Jha no quarto do apartamento que divide com sua irmã, em Halmstad

Ele sente falta da família, disse, mas também sabe que treinar na Suécia é uma experiência insubstituível. Nesta temporada, Jha jogou principalmente pelo segundo time de Halmstad; na próxima, ele espera participar mais dos jogos do primeiro time e continuar a desenvolver sua carreira internacional.

Em 8 de julho, ele derrotou Yijun Feng, seu colega na equipe olímpica, por 10-12, 6-11, 12-10, 5-11, 14-12, 11-7, 11-9 e conquistou o título de simples masculina no campeonato nacional de tênis de mesa dos Estados Unidos. Jha se tornou o mais jovem campeão do torneio desde 2009.

A classificação para a olimpíada foi uma experiência igualmente dramática. Jogando no Canadá, contra um canadense, ele começou o set final perdendo por cinco a zero, mas virou o jogo e venceu por 11 a cinco, garantindo sua vaga. Mas Jha tem expectativas moderadas para os jogos do Rio: ele ocupa a 272ª posição no ranking mundial do tênis de mesa, e disse que consideraria seu desempenho um sucesso caso vença três partidas nas rodadas preliminares e chegue à chave principal do torneio. (Ele também fará parte da equipe norte-americana na disputa por equipes.)

Um resultado como esse seria uma realização impressionante. Mas por enquanto Jha está mais preocupado com continuar melhorando o seu jogo e em demonstrar a consistência que os melhores jogadores - alguns dos quais treinam com ele na Suécia - exibem nas partidas contra ele. Jha busca maneiras de se motivar onde puder encontrá-las.

Durante uma partida de treino, no segundo trimestre, Jha estava pressionado, em dado momento, rebatendo uma série de cortadas violentas do oponente. Por fim, este atingiu uma cortada mais curta, que bateu na mesa e saiu para o lado; Jha agilmente se aproximou da bola, movendo a raquete em um backhand e devolvendo-a com uma jogada tão cheia de efeito que a bola circundou a rede em lugar de passar por cima, antes de tocar a beira da mesa do lado do adversário e cair ao chão.

Jha ergueu as mãos, comemorando, orgulhoso desse momento de domínio das bolas de efeito. O oponente o cumprimentou com um aceno de cabeça. Jha olhou ao redor, mas não encontrou grandes manifestações de reconhecimento. Os treinadores continuaram circulando entre as mesas. Os demais jogadores continuaram rebatendo, e o clique e o claque das bolas e raquetes não parava.

Jha contemplou a cena por um momento, com o peito arfante. Depois, enxugou o suor da testa, caminhou de volta à mesa e recomeçou o trabalho.

Carsten Snejbjerg/NYT
The United States Olympic team member Kanak Jha near a poster of himself at the table tennis center where he trains in Halmstad, Sweden. Credit Carsten Snejbjerg for The New York Times
Kanak Jha é o primeiro atleta dos EUA nascido nos anos 2000 a participar dos Jogos

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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