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Editorial: Em defesa da lei
[Publicado em 2 de abril de 1964]

Neste texto foi mantida a grafia original da época



Não foi por falta de advertencias que a situação nacional chegou ao estado em que hoje se encontra, de profunda crise militar e politica, opondo-se ao presidente da Republica ponderavel parcela das Forças Armadas e diversos lideres civis de incontestavel autoridade, responsaveis pelo governo de importantes Estados da Federação.

Ninguem por certo desejou tal situação, excluidos certamente os elementos comunistas para os quais a situação do país estará tanto melhor quanto pior em verdade for. Esses elementos, infelizmente, vêm agindo há muito em altos cargos da administração publica federal e, de certa maneira, orientando muitas ações do governo.

O que pessoas de bom senso têm reiteradamente perguntado é isto: se o Partido Comunista se acha fora da lei, se os sentimentos do povo brasileiro claramente repelem o comunismo, se os elementos sabidamente comunistas têm sido sistematicamente batidos nas eleições em que prevalece o voto secreto e, mais do que isto, se têm obtido esmagadoras vitorias os lideres que se declaram ostensivamente contra os comunistas, por que haveriam estes de dominar no Brasil e dar o tom da politica nacional?

Outra pergunta que as mesmas pessoas não raras vezes se fizeram é esta: se existem meios constitucionais para resolver a maioria dos grandes problemas nacionais, assim como para realizar as reformas necessarias ao progresso do país, por que se fez desse tema reformista uma simples bandeira de agitação, pregada com violencia e com evidente proposito, não poucas vezes, de atirar os varios grupos sociais uns contra os outros? E por que se passou a denunciar a Constituição, a lei suprema, como fonte de todos os males do país e instrumento de opressão do povo? E por que passou a atacá-la, exigindo sua reforma, o chefe do Poder Executivo, que jurou cumpri-la, quando essa iniciativa de reforma é prerrogativa de outro Poder? Não menos respeitaveis são as duvidas que surgiram em tantas cabeças esclarecidas a respeito da juridicidade dos atos seguidamente praticados pelo presidente da Republica, quando sob forma de simples decretos baixou determinações e normas que só podem vigir quando sob forma de lei. Nessas atividades e em varias outras enxergou-se o proposito de eliminar o Congresso Federal, e de eliminá-lo não apenas pelo desprezo votado a suas atribuições especificas e prerrogativas, mas tambem pelo incitamento do povo mediante doutrinação sistematizada e perturbadora.

Enquanto ganhava corpo, no governo, a tendencia para o abuso de poder e o desrespeito aos outros Poderes da Republica, submetiam-se as Forças Armadas ao duro vexame de assistir ao apoio que a tais atos era dado por alguns oficiais colocados em postos de direção. Com habilidade foram assim as Forças Armadas aos poucos envolvidas na politica, dando-se ao povo a impressão de que elas existem para defesa do presidente, transformado em superpoder, e não, e igualmente, para defender os outros poderes e de um modo geral as instituições.

Nosso clima de crescente absorção de atribuições pelo Executivo, escudado em dispositivos que os outros Poderes não poderiam jamais constituir, a propria Federação acabou renegada e o intervencionismo desabusado nos Estados passou a constituir uma quase rotina.

A cada abuso de poder crescia a apreensão natural das pessoas que têm consciencia do regime constitucional em que vivemos, e que é o democratico. Essa apreensão manifestou-se na maioria da imprensa brasileira independente. Este jornal registrou numerosas vezes sua estranheza ante a cada vez maior ilegalidade em que ia mergulhando o governo federal, apelando ao patriotismo dos responsaveis pela coisa publica, a fim de que se reexaminassem as falsas posições e se dessem ao povo, com sinceridade, os frutos de um regime democratico sadiamente aplicado e vivido, em lugar dos engodos de um totalitarismo subversivo.

Clamamos em defesa da Constituição, em defesa do regime democratico, em defesa da independencia e da harmonia dos poderes. E nesse clamor, não visamos a ninguem pessoalmente, havendo distribuido nossas criticas tanto ao presidente da Republica quanto a todos os outros elementos, civis e militares, que integram ou defendem os Poderes da Republica.

Mas os clamores foram vãos. Não surtiram efeito os apelos à razão e ao patriotismo dos homens a quem se acha confiada a sorte do país. E a sementeira vermelha se tornou cada dia mais abundante, não demorando a produzir os seus amargos e venenosos frutos, que a inflação, jamais combatida com determinação, tornava ainda mais perigosos. A estrutura do país começou a abalar-se, ante os olhos atonitos dos homens serios e trabalhadores, do povo ordeiro e construtor, que se viu humilhado repetidamente pela nova conceituação que à palavra povo se procurava dar, isto é, a de povo como sinonimo de multidão organizada e condicionada para o aplauso sem raciocinio.

As sucessivas paralisações do país mediante greves que não nasciam dos trabalhadores mas de uma cupula politica bem engordada em comodas posições de falsa liderança, falsa porque armada à custa do governo, ensombreciam ainda mais o ambiente nacional.

Finalmente, no lamentavel comicio do dia 13, na Guanabara, o que se viu e ouviu foi, diante dos chefes militares, a pregação aberta da revolução e do descumprimento da Constituição, ao mesmo tempo que os mais profundos sentimentos do povo eram ridicularizados pelos que mais deviam respeitá-los. E logo a seguir, numa verdadeira furia de quem precisa realizar em pouco tempo uma obra imensa de destruição, a crise provocada na Marinha e o intoleravel atentado à disciplina e à hierarquia militar.

Depois de lentamente tentar corromper o cerne das Forças Armadas mediante a conhecida pregação falsamente reformista, surgia o golpe que deveria prenunciar o fim da legalidade democratica: o assalto à propria organização das Forças Armadas. E estas, em varios pontos do país, chefiadas por alguns de seus chefes de maior respeitabilidade, se levantaram em defesa das instituições ameaçadas.

São claros os termos do manifesto do comandante do II Exercito. Não houve rebelião contra a lei, mas uma tomada de posição em favor da lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a defender a patria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. Ora, a patria estava ameaçada pelo comunismo, que o povo brasileiro repele. Os poderes constitucionais haviam sido feridos de morte, tantos os desrespeitos à Constituição, à lei, ao regime federativo. E a ordem periclitava com a quebra de disciplina e de hierarquia nas Forças Armadas.

E essa disciplina e essa hierarquia não constituem assunto de somenos, a que possa o presidente ou qualquer membro do governo, e em especial das Forças Armadas, dar importancia maior ou menor, consoante seu temperamento ou suas tendencias. Pois é a propria Constituição que estabelece serem essas Forças organizadas na base da hierarquia e da disciplina. Quebrar essa disciplina e essa hierarquia constitui crime pelo qual qualquer chefe de Estado pode ser responsabilizado.

Assim se deve enxergar o movimento que empolgou o país. Representa, fora de duvida, um momento dramatico de nossa vida, que felizmente termina sem derramamento de sangue. E termina com a vitoria do espirito da legalidade, reestabelecido o primado da Constituição e do Direito. Resta-nos esperar que os focos de resistencia esboçados em raros pontos logo se desfaçam, para que a familia brasileira reencontre no menor prazo possivel a paz à qual tanto aspirava e o povo, livre da pregação e da ação dos comunistas que se haviam infiltrado no governo, volte a ter o direito, que lhe haviam tirado, de trabalhar em ordem e dentro da lei.

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    Editorial: Em defesa da lei
    Banditismo, por Octavio Frias de Oliveira
    A Sucessão e o Percurso, por Fernando Henrique Cardoso


    Coluna em branco (à dir.) na Ilustrada protesta contra prisão de Diaféria
    Tanques em rua do Rio de Janeiro após o movimento de 64
    A ameaça das metralhadoras em charge de Luiz Gê, de 26/12/1978, sobre a repressão militar

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