Retratos da China
13/04/2005
da Folha de S.Paulo, em Pequim
A trivial ida ao banheiro é um dos choques culturais mais embaraçosos que ocidentais podem ter na China. O primeiro problema é "arquitetônico": os familiares vasos sanitários são novidade no país, onde predominam os furos no chão emoldurados por porcelana para apoio dos pés.
Considerados mais higiênicas por alguns, eles têm a desvantagem de exigir flexibilidade e força muscular que parecem ausentes na maioria dos ocidentais, desacostumados à posição de cócoras.
Mas o desconforto físico não é nada perto do outro choque: a falta de privacidade. Dentro dos banheiros de alguns restaurantes freqüentados basicamente por chineses, os sanitários não têm portas e são separados apenas por uma baixa divisória de madeira. Isso significa que você pode receber a companhia de outra pessoa enquanto tenta se equilibrar no seu agachamento desajeitado. Mas é bom dizer que os banheiros para homens e mulheres são separados.
Há poucos dias fui a um "spa de inverno" sofisticado, com piscinas de água quente natural, roupões felpudos e empregados distribuindo toalhas igualmente felpudas para os clientes. Lá, o vestiário feminino tinha apenas um banheiro --com vaso sanitário, mas desprovido de porta. E no momento em que me acomodei para fazer o que era necessário uma chinesa nua se prostrou na entrada do banheiro para esperar sua vez, o que claro me fez esquecer imediatamente a razão pela qual eu estava ali.
Já deu para perceber que os chineses têm uma relação com privacidade totalmente diferente dos ocidentais. Talvez por serem 1,3 bilhão de pessoas, um sexto de toda a população mundial. Mas certamente pela maneira como eles tradicionalmente viveram. Os hutongs que dominavam a paisagem de Pequim até poucos anos e ainda estão presentes em várias regiões da cidade são formados por pequenas casas extremamente próximas e a maior parte das atividades são comunitárias. As casas não têm banheiro e os vizinhos usam os banheiros públicos espalhados pelos hutongs. Eles não têm vasos sanitários, mas os furos no chão são protegidos por portas.
Nas vilas da zona rural, a falta de privacidade é ainda maior. Os banheiros comunitários são divididos por sexo, mas eles se constituem em uma grande sala, com vários furos no chão, sem qualquer divisão. Ali, o choque cultural é potencializado pelo fato de que não há água encanada nem as facilidades que a acompanham, como a descarga.
A reforma dos banheiros de Pequim é uma das prioridades do governo na preparação da cidade para receber os ocidentais durante as Olimpíadas de 2008. Desde o ano passado, o governo da cidade está destinando US$ 12 milhões (R$ 33,6 milhões) ao ano só para isso. O objetivo é chegar a 2008 com 4.700 banheiros públicos equipados com papel higiênico, sabonete, secadores de mão e, claro, vasos sanitários.
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A trivial ida ao banheiro é um choque cultural
CLÁUDIA TREVISANda Folha de S.Paulo, em Pequim
A trivial ida ao banheiro é um dos choques culturais mais embaraçosos que ocidentais podem ter na China. O primeiro problema é "arquitetônico": os familiares vasos sanitários são novidade no país, onde predominam os furos no chão emoldurados por porcelana para apoio dos pés.
Considerados mais higiênicas por alguns, eles têm a desvantagem de exigir flexibilidade e força muscular que parecem ausentes na maioria dos ocidentais, desacostumados à posição de cócoras.
Claudia Trevisan/Folha Imagem |
Vaso sanitário em banheiro público de Pequim, na China |
Há poucos dias fui a um "spa de inverno" sofisticado, com piscinas de água quente natural, roupões felpudos e empregados distribuindo toalhas igualmente felpudas para os clientes. Lá, o vestiário feminino tinha apenas um banheiro --com vaso sanitário, mas desprovido de porta. E no momento em que me acomodei para fazer o que era necessário uma chinesa nua se prostrou na entrada do banheiro para esperar sua vez, o que claro me fez esquecer imediatamente a razão pela qual eu estava ali.
Já deu para perceber que os chineses têm uma relação com privacidade totalmente diferente dos ocidentais. Talvez por serem 1,3 bilhão de pessoas, um sexto de toda a população mundial. Mas certamente pela maneira como eles tradicionalmente viveram. Os hutongs que dominavam a paisagem de Pequim até poucos anos e ainda estão presentes em várias regiões da cidade são formados por pequenas casas extremamente próximas e a maior parte das atividades são comunitárias. As casas não têm banheiro e os vizinhos usam os banheiros públicos espalhados pelos hutongs. Eles não têm vasos sanitários, mas os furos no chão são protegidos por portas.
Nas vilas da zona rural, a falta de privacidade é ainda maior. Os banheiros comunitários são divididos por sexo, mas eles se constituem em uma grande sala, com vários furos no chão, sem qualquer divisão. Ali, o choque cultural é potencializado pelo fato de que não há água encanada nem as facilidades que a acompanham, como a descarga.
A reforma dos banheiros de Pequim é uma das prioridades do governo na preparação da cidade para receber os ocidentais durante as Olimpíadas de 2008. Desde o ano passado, o governo da cidade está destinando US$ 12 milhões (R$ 33,6 milhões) ao ano só para isso. O objetivo é chegar a 2008 com 4.700 banheiros públicos equipados com papel higiênico, sabonete, secadores de mão e, claro, vasos sanitários.
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Claudia Trevisan, colunista da Folha Online, foi correspondente da Folha de S.Paulo em Pequim até abril de 2005. Atualmente é repórter da editoria de Brasil. Também trabalhou em Buenos Aires como correspondente do jornal Valor Econômico. E-mail: ctrevisan@folhasp.com.br |