Carta ao presidente Lula
Senhor Presidente,
Foram muitas as manifestações
de desagrado provocadas por sua afirmativa de que os jornalistas
são ''covardes" porque não defendem esse
novo organismo que quer orientar o trabalho dos profissionais
da imprensa. Fiquei surpresa. Afinal de contas, acho que o
senhor tem absoluta razão quando chama a nós,
jornalistas, de covardes.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque nunca ouvimos
com atenção aqueles que nos diziam que o senhor
seguiu cursos nos Estados Unidos promovidos pela AFL-CIO,
a maior
central sindical do mundo, especializada em formar líderes
classistas da América Latina para pudessem controlar
reivindicações que atinjam o coração
do capitalismo. E que mantenha laços com a central,
conhecida por ter educado o maior número de pelegos
da história de luta dos trabalhadores.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque consideramos
exagero da direita quando nos diziam que o senhor exercia
poder de censura nos jornais sindicais que controlava para
impedir o surgimento de líderes que o ofuscassem. E
são muitos os exemplos. Os jornalistas que foram subordinados
ao senhor nessa época se lembram bem
dos acontecimentos. Mas foram covardes em não levar
a queixa à Federação Nacional dos Jornalistas,
por exemplo.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque jamais aprofundamos
com seriedade as denúncias que o envolviam em transações
nebulosas com compadre Teixeira.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque fizemos vista
grossa quando o tesoureiro de sua campanha vitoriosa, Delúbio
Soares, um professor da escola pública (e todos sabemos
que professores de qualquer instituição são
mal pagos) começou a exibir sinais
externos de riqueza, promovendo uma festa de aniversário
em sua fazenda onde pousaram três aviões. Nenhum
de nós se indagou como um assalariado e militante sindical
conquistou, em tão pouco tempo tantos recursos para
ter uma fazenda com campo de
pouso.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque não exploramos
devidamente o fato de o senhor ter conseguido tão cedo
sua aposentadoria e agora nos impõe mais anos e anos
de
trabalho.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque nunca informamos
nossos leitores que o senhor se recusou a participar da campanha
da anistia porque não queria de volta aquele "bando
de comunistas". E só se mobilizou porque foi enquadrado
na Lei de Segurança Nacional.
Nunca o chamamos de oportunista e isso foi covarde.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Somos covardes porque a História
assim nos transformou. Porque nossa profissão foi uma
das mais atingidas pelo regime militar que nos governou por
tantos anos e, a cada companheiro que tombava, nossa coragem
se deteriorava.
Mas onde estava o senhor e sua coragem
quando assassinaram nosso colega Wladimir Herzog? Por favor,
não venha me dizer que o senhor estava lutando pela
sobrevivência porque era isso que nós também
estávamos fazendo, mas gritamos, esperneamos.
Talvez por medo, covardia.
Finalmente quero lhe dizer, senhor
presidente, que somos covardes porque douramos sua biografia,
colaborando para que o senhor conquistasse o posto
máximo de nosso País e hoje não pedimos
desculpas ao
povo brasileiro porque criamos um ídolo de areia.
Somos covardes sim, senhor presidente!
Mas o senhor é corajoso! O
senhor tem coragem de editar medidas de exceção
para deixar na impunidade banqueiros que cometem crimes diários
contra um povo que a cada dia mais se empobrece.
O senhor tem tanta coragem que prefere
não enfrentar covardes jornalistas que ousam discordar
de suas medidas porque elas querem resgatar a censura a qual
combatemos enfrentando riscos para nossas vidas; medidas que
querem castrar a informação que diz ao povo
que seu tesoureiro de campanha passou dos limites, lembrando
outro
tesoureiro de triste memória; medidas que pretendem
omitir as notícias de que seus companheiros são
pessoas que jamais tiveram qualquer comprometimento com o
povo brasileiro e queriam apenas chegar ao poder. E isso não
é diatribe dessa covarde
profissional que lhe escreve. Foi dito pelo seu companheiro
João Paulo, presidente da Câmara dos Deputados.
O senhor tem tanta coragem, que apesar
de suas limitações intelectuais sai por aí
dizendo que Napoleão foi à China, fato que nem
a criativa e rica literatura de cordel registra e que a Namíbia
nem parece África porque é limpinha.
Mas seu maior gesto de coragem, senhor
presidente é que mesmo depois de ter enganado 53 milhões
de pessoas prometendo mudanças para deixar nosso povo
menos miserável, ainda pretende ficar no poder por
muito tempo. Isso sim, é uma admirável
coragem.
Saudações de uma profissional
que foi tão covarde que mesmo sabendo quem é
o senhor, não teve coragem de dizer que aquele operário
estava nu.
Memélia Moreira
jornalista
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