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19/01/2007
Carta da semana
Deveria ser crime culpar a natureza por acidentes
“Especialmente em época de chuva os acidentes
em obras civis têm se multiplicado no país. Diga-se
de passagem, que essa é a ponta visível do iceberg,
pois, os acidentes dos quais a sociedade acaba por tomar conhecimento
são os de grande dimensão e visibilidade. Uma
miríade de pequenos e médios acidentes acabam
não transcendendo o anonimato do circunscrito ambiente
de obra.
E como sempre, sobram dos responsáveis
pelos empreendimentos e até de autoridades públicas
a eles relacionadas à rápida e cômoda
justificativa: o acidente deveu-se à intensidade das
chuvas e/ou a imprevistos geológicos. Não considerando
aqui o crime implicado na clara intenção de
ludibriar a sociedade, gostaria de me ater aos aspectos puramente
técnicos relacionados a essas declarações
e aos próprios acidentes.
Na engenharia há uma regra
inexorável: se houve acidente, houve uma falha. Essa
falha pode ser de diversas ordens: erros nas informações
técnicas (dados de entrada) para o projeto, erros de
projeto, erros no plano de obra, erros nos processos construtivos,
deficiência em materiais empregados, etc. A redução
da margem de ocorrência de erros é uma meta que
a boa engenharia persegue com obstinação. E,
ao lado de uma provada competência dos técnicos
envolvidos, o maior instrumento para essa redução
está na gestão técnica do empreendimento,
desde a fase dos estudos preliminares até a entrega
da obra acabada e seu futuro plano permanente de monitoramento
técnico.
No caso dos recentes acidentes da
barragem de rejeitos de mineração da Rio Pombas,
em Mina Gerais, e da Linha 4 do Metrô, na capital paulista,
mais uma vez as chuvas e eventuais “imprevistos geológicos”
estão sendo apontados como causadores dos problemas.
As características e o histórico pluviométrico,
assim como todas as informações sobre a geologia
regional e local e seus desdobramentos geotécnicos
são dados elementares de entrada para a concepção
do projeto e para a escolha do plano de obra. Surpresas consideráveis
só podem ser debitadas a falhas ocorridas nessa fase
inicial de levantamento e recolhimento de informações.
No caso da Geologia, até a probabilidade de se encontrar
durante o andamento da obra alguma feição particular
não anteriormente detectada deve obrigatoriamente ser
considerada nos cuidados do plano de obra e dos processos
construtivos, que, para tanto, devem sempre ser acompanhados
por um eficiente serviço de monitoramento e investigações
complementares.
Particularmente no caso da Linha 4
do Metrô, a geologia e a hidrogeologia do local são
por demais conhecidas e foram profusamente investigadas nos
estudos preliminares. Da mesma forma, não se pode a
essas alturas alegar dificuldades com as chuvas, uma vez que
o regime pluviométrico da capital é sobejamente
conhecido.
Ou seja, em defesa dos profissionais
brasileiros em Hidrologia, Hidrogeologia, Geologia e Geotecnia,
que colocaram o país em nível internacional
de competência nessas áreas, e em defesa dos
interesses maiores da sociedade brasileira, apelamos às
autoridades públicas e privadas relacionadas a esses
trágicos acidentes que não capitulem diante
dos impulsos naturais em buscar explicações
e justificativas que lhes eximam de alguma responsabilidade,
e tenham a coragem de “colocar o dedo na ferida”,
investigando criteriosamente o plano de gestão técnica
dos empreendimentos afetados. Investiguem, por exemplo, as
conseqüências de um eventual excesso de terceirizações
dos mais variados tipos de serviços de engenharia,
ou de uma compulsiva e onipresente busca da maximização
de lucros, pois que condições assim postas são
incompatíveis com a predominância do necessário,
responsável e sadio espírito da boa técnica
em uma frente de obra. É muito provável que
aí esteja a deixa para melhor se entender os acidentes
ocorridos e, por dedução, para se evitar novos
acidentes”,
Álvaro Rodrigues dos
Santos, Geólogo; ex-diretor de planejamento e gestão
do IPT; ex- diretor geral do DCET - Deptº de C&T
da Secretaria de C&T do Estado de São Paulo - santosalvaro@uol.com.br
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