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24/11/2006
Carta da semana

Os esmagadores de sonhos


“Abro os olhos num despertar doloroso e vejo um sapato enorme. Não, não é um sapato, é uma bota. Sim, uma bota pesada, enorme, imunda, cheia de lama. E já não é apenas uma, são várias. Pertencem a uma milícia. Levanto o olhar lentamente, com medo do que vou ver. Mas o que vejo, à primeira vista, não é o que esperava. Não são os bárbaros sanguinolentos armados até os dentes que pensei que veria, são homens e mulheres luxuosamente vestidos. Até, para alguns gostos, elegantes. Mas a cena torna-se bizarra porque, apesar dos trajes, usam todos as tais botas enormes e sujas.

E o barulho que fazem é ensurdecedor. Mal consigo ouvir meus pensamentos. Tampo os ouvidos, mas não faz diferença alguma. E o mais bizarro é que não estão gritando. Apesar das bocas enormes, desproporcionais ao resto de seus corpos, eles não as escancaram como escancara a boca alguém que grita. Não, não, são movimentos labiais de quem está sussurrando. No entanto, aqueles seres apavorantes produzem timbres os mais altos e dolorosos que já ouvi.

Então olho em volta buscando quem me desperte deste pesadelo. Porém, o que vejo são os oprimidos da nação prostrados, como que desmaiados. Mas, olhando melhor, percebo que não estão desmaiados e sim dormindo. E parecem sonos profundos. Num deles mais próximo a mim percebo sob pálpebras cerradas globos oculares se movendo... O que é isso mesmo? Globos oculares de gente adormecida que se movem... Ah, estão sonhando!

Para meu horror, que neste instante atinge o paroxismo, vejo uma daquelas botas monstruosas deitar-se sobre a cabeça de um dos prostrados. A cabeça dele será esmagada, antevejo. Então, para minhas surpresa e horror ainda maiores, a bota não esmaga a cabeça. Ela começa a mesclar-se com a cabeça do inerte sonhador como se fosse um fantasma atravessando uma parede. E de repente, já atolada na cabeça imaterial até quase o tornozelo, a bota pára como se encontrando resistência, algo sólido naquela cabeça etérea. Nesse instante, o dono da bota faz um som horrível, gutural, e esmaga alguma coisa...

Por toda parte, por toda parte, meu Deus! Vejo aqueles seres bizarros esmagarem alguma coisa dentro das cabeças etéreas do meu povo, dos brasileiros, com suas botas descomunais, fétidas, asquerosas. E, apesar de ser uma pequena milícia e os prostrados sonhadores serem milhões, a velocidade dos milicianos surreais compensa a diferença. E em pouco tempo estão lá adiante esmagando, esmagando sem parar, furiosa e calmamente. Esmagam impassíveis. Então olho ao redor e vejo que os globos oculares dos prostrados pisoteados já não se movem mais. Eles pararam de sonhar! Jesus! Pararam de sonhar!!

Agora, aos prantos, sei quem são os que compõem aquela milícia: são esmagadores de sonhos”,
Eduardo Guimarães - edu.guim@uol.com.br

CIDADÃO JORNALISTA é um espaço destinado aos leitores e ouvintes que ao relatarem fatos e experiências de sua cidade, comunidade e cotidiano, tornam-se repórteres por um momento.

 
 

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