REFLEXÃO


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folha de s. paulo
02/03/2009

Mentes do futuro

Em meio ao turbilhão de dados fragmentados e desconexos, a habilidade da seleção será cada vez mais demandada


Começa nesta semana, em São Paulo, o festival internacional de filmes com apenas um minuto de duração, reunindo 80 países -esse tipo de mostra ocorre anualmente em 40 nações, circula em escala planetária e atrai o patrocínio de empresas multinacionais. Pouca gente sabe que esse festival é uma invenção brasileira e ninguém imagina que seu inventor era visto, por muito tempo, como um fracasso, um caso irrecuperável.

Marcelo Masagão estava desempregado, em 1991, quando conseguiu passar filmes de um minuto num teatro da PUC, em SP; no ano seguinte, iria para o MIS (Museu da Imagem e do Som). Um italiano viu aquela experiência e a levou para a Europa, de onde se disseminou.

Como era excessivamente bagunceiro, foi expulso -ou, como se diz, convidado a se retirar- das escolas em que estudou. "Nunca tive uma turma de formatura", lembra. Não conseguiu ficar nem mesmo no Colégio Equipe, uma ilha de liberalidade paulistana. Na faculdade, cursou psicologia, mas, após sete anos, não tinha completado 40% dos créditos.

Só resolveu mesmo se esforçar na oitava série porque seu pai o chamou de "burro e vagabundo". Tirou notas altas, a maioria dez, nas matérias. Mas no final se desentendeu com um professor e, mais uma vez, recebeu o convite para se retirar. Como ele conseguiu montar um projeto bem-sucedido? A resposta possivelmente está nos estudos sobre as diversas formas de inteligência desenvolvidos em Harvard -é uma das questões essenciais para os alunos que, nesta semana, voltam para seus colégios e universidades.

Disseminador da ideia de que existem inteligências múltiplas (a escola só focaria numa delas), o psicólogo Howard Gardner afirma que um dos atributos fundamentais para prosperar profissionalmente é a "mente sintetizadora". Com o excesso atordoante de informação, graças em boa parte à abundância de fontes na internet, passa a valer mais quem sabe extrair o que é essencial -ou seja, quem sabe selecionar e apontar um caminho.

O primeiro filme de Masagão era um esforço de resumir e encadear em 70 minutos toda a história do século 20 -e sem nenhuma fala, apenas com imagens. Depois de tanto tempo de dispersão, acabou encontrando a síntese de seu futuro na busca de gente que procura uma síntese em apenas um minuto, transformada também num projeto de internet, e não apenas nos festivais.

Agora, ele criou a modalidade de obra em dez segundos, batizada de "nanofilme".

Em meio ao turbilhão de dados fragmentados e desconexos, a habilidade da seleção será cada vez mais demandada -o que vai abater parte do encanto da produção coletiva de conhecimento (o jornalismo colaborativo, por exemplo), na qual muitos sentem autoridade para falar de qualquer assunto. Afinal, a síntese depende de um longo processo de avaliação do que é essencial.

Mais uma vez, o Festival do Minuto serve como exemplo. Tecnicamente, qualquer um hoje pode se sentir um cineasta. Basta um celular. São enviados para lá milhares de filmes, sem qualquer esforço de produção. O ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, tentou fazer uma emissora de TV, via internet, para a qual qualquer um pudesse mandar sua matéria. Viram-se obrigados a mudar o formato. Um claro sinal dessa tendência apareceu no projeto "Círculo de Leitores", desenvolvido pela Folha, em que, durante oito meses, o jornal ouviu seus assinantes em São Paulo, Rio e Brasília. Eles querem uma publicação com os seguintes atributos: analítico, sintético, prático e interpretativo. Em síntese: querem ter ajuda para selecionar o que importa para suas vidas.

É fácil entender as razões dessa demanda; difícil é enfrentá-las. Como reduzir tantas coisas, muitas delas complexas, em tão poucos minutos de leitura diária? Como captar a atenção de um público cada vez mais hiperativo? Não é um problema, óbvio, apenas dos meios de comunicação. É um desafio que envolve toda a rede de produção e disseminação do conhecimento.

Em geral, as crianças e os jovens não são treinados, nas escolas, a selecionar, mas a acumular informações de diferentes matérias, sem muita conexão com a realidade, avaliadas em provas -e depois, rapidamente, esquecidas. Os estudantes voltam, nesta semana, às aulas e vão encontrar um sistema curricular que, na maioria dos casos, está fracassado, determinado não por pedagogos, mas pelo mercado de trabalho. Está aí uma das razões por que foi muito mais fácil para Marcelo Masagão fazer sucesso na vida do que na escola. Só não sabia que iria virar uma espécie de professor na arte de sintetizar.

PS - Coloquei neste link um texto para quem quiser conhecer melhor as ideias de Howard Gardner, professor da escola de Educação em Harvard. Também coloquei no Catraca Livre uma seleção dos filmes de um minuto que serão exibidos, nesta semana, no festival em São Paulo.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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