REFLEXÃO


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urbanidade
11/02/2009

Sinfonia do taxista

Com os filhos encaminhados, o motorista de táxi agora se prepara para estudar música pelo resto da sua vida

Carlos Roberto Caetano, mais conhecido como Carlinhos, acredita ser diferente dos 35 mil taxistas da cidade de São Paulo. Imagina-se o único motorista de táxi a ouvir, sem parar, música erudita no rádio de seu carro. "Só desligo ou mudo de estação se o passageiro pedir, o que é raro. Geralmente, recebo elogios pelo meu gosto." Por trás dessa singularidade, existe a história de uma frustração.

Desde menino, Carlinhos tinha o projeto de ser músico. Suas apresentações limitavam-se à pequena orquestra de seu templo, onde aprendeu a tocar saxofone. Por falta de recursos, não conseguiu ir além da 8ª série de uma escola pública. Mais tarde, virou motorista de táxi, com uma meta: todos os seus filhos fariam faculdade.
Mas a vida iria lhe fazer uma surpresa dentro de sua própria casa -uma surpresa musical que, na sua visão religiosa, teria o desígnio divino.

Com seu ponto na frente do fórum de Pinheiros, Carlinhos já conseguiu que, dos seus quatro filhos, dois começassem a cursar faculdade; os outros dois estão no ensino médio. "Mas vão entrar", orgulha-se.

Para atingir seus objetivos, ele vem trabalhando duro para pagar as mensalidades de escolas privadas. "Fui obrigado a cortar o lazer." Seu prazer pela música ficou restrito ao rádio e às apresentações semanais no templo.

Um dia, porém, foi à Sala São Paulo para ver um concerto com músicas de Bach e Beethoven. "Não vou exagerar, eu me senti chegando ao paraíso." Não se deu mais ao direito de repetir a extravagância. Até então, estava acostumado à acústica tumultuada do templo evangélico, com seus músicos quase todos amadores.

Ocorre que todos os seus quatro filhos foram demonstrando não só prazer mas também habilidade musical. Dois aprenderam a tocar órgão e os outros dois, violino e flauta.

Apenas a mulher não se sentia apta a tocar nenhum instrumento. Acabaram criando, dentro de casa, um conjunto, cuja plateia é o templo.
Mas, agora, Carlinhos vai ter o que considera sua recompensa pelo esforço dos últimos anos.

Com os filhos encaminhados, ele se prepara para estudar música pelo resto de sua vida. Sua mulher também está decidida a aprender algum instrumento. "Aí toda a família estará unida na partitura."

Até lá, a música erudita não lhe faz bem, no táxi, apenas ao espírito, mas também ao bolso -o hábito ajudou-o a fidelizar uma clientela.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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