REFLEXÃO


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urbanidade
13/02/2008

Professora do sono

O ideal seria que as aulas só começassem à tarde, diz neuropediatra que estuda distúrbios do sono


As escolas ajudariam os adolescentes a aprender melhor se os deixassem dormir mais tempo de manhã -aliás, o ideal seria que as aulas só começassem à tarde. "Posso assegurar que deixar os jovens mais tempo na cama seria recomendável."
A frase soaria como uma espécie de estímulo à preguiça ou defesa da vagabundagem não fosse dita pela neuropediatra Márcia Pradella, cuja grande razão de levantar todos os dias da cama é brigar com os problemas de sono dos estudantes -o que, obviamente, torna a sua vida mais agitada a partir desta semana, quando iniciam as aulas.

Por trás dessas dicas de saúde que soam estranhas aos pais e professores, há um laboratório criado por Márcia, na década de 1990. "Pouca gente já sabe como os problemas de sono minam os estudantes."

Formada em neurologia pediátrica, Márcia conseguiu ser aceita num programa de pesquisas na Bélgica, onde se estudavam distúrbios de sono dos adultos. Como tinha interesse em neurologia infantil, ela começou a participar de pesquisas sobre a dificuldade de dormir das crianças e dos adolescentes.

Apesar dos convites para continuar a fazer pesquisas na Europa, preferiu voltar ao Brasil, onde imaginava que poderia realizar atendimentos. "Estava cansada de ficar só em laboratório", conta ela. Quase se arrependeu -até porque ela, preocupada, começou a perder um pouco o sono.

Márcia já estava havia seis anos fora do país e tinha perdido muitos de seus contatos médicos. No Brasil, pouco se falava em tratamento dos distúrbios do sono, muito menos nos problemas relacionados a crianças e adolescentes. Para complicar a adaptação, voltou acompanhada de seu marido, um irlandês que dava aulas de inglês no ensino médio. Ambos, na Europa, viviam bem e tinham salário fixo -no Brasil, estavam desempregados. "Na prática, eu tive de reconstruir minha carreira."

Com tempo vago, Márcia fez alguns cursos na Universidade Federal de São Paulo, onde se criava um departamento especialmente para estudar o sono. Foi a brecha que a levou a ser, no Brasil, pioneira de pesquisas com crianças e adolescentes. O que era uma pequena sala transformou-se em toda uma ala com 17 quartos.
É nesse espaço que ela vê como, por ignorância, crianças são apontadas como burras ou preguiçosas porque não aprendem -quando, na verdade, têm dificuldade de dormir. "Pelo menos 20% dos estudantes sofrem de algum tipo de dificuldade do sono por falhas respiratórias", diz a neuropediatra.

Na adolescência é comum, segundo ela, a mudança no relógio biológico. "É uma mudança incompreendida pelos pais e professores. Daí a sua proposta de que as escolas aprendam a lição de biologia e deixem os seus alunos ficarem mais tempo na cama. Por enquanto, uma idéia que só apareceria no sonho dos adolescentes.


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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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