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REFLEXÃO


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urbanidade
13/09/2006
Publicitários da "cracolândia"

Ele sabia que seria difícil explicar aos clientes por que abrir uma agência lá. E não seria fácil atrair profissionais

Quem caminhar pela rua do Triunfo, no centro da "cracolândia", símbolo máximo da deterioração da cidade de São Paulo, certamente não verá a discreta porta de vidro fosco branco, no número 51. Cruzar aquela porta produz um imediato choque visual. Distante da balbúrdia das calçadas sujas e dos prédios deteriorados, há um galpão de 1.000 m2 com ambiente "clean", móveis contemporâneos e computadores para design gráfico. Em meio à modernidade, instaladas num mezanino, estão dependuradas redes para que os funcionários possam se embalar e afastar o estresse. "Foi um achado", orgulha-se o publicitário Sérgio Rinaldi.

Tudo começou com a simples vontade de realizar um bom negócio. Na busca de um lugar para montar sua agência de publicidade, a Fess", Sérgio viu quanto iria gastar em regiões nobres, que causariam melhor impressão aos seus clientes, alguns dos quais empresas multinacionais. "Não deu." Achou, então, esse galpão abandonado na rua do Triunfo, onde transitam prostitutas, crianças se viciam com crack e ocorrem espalhafatosas batidas policiais. O aluguel do galpão saiu por R$ 2,5 mil mensais. "Um aluguel de um espaço desse tamanho na Vila Olímpia, por exemplo, custaria pelo menos R$ 25 mil mensais."

Sabia que seria difícil explicar para os clientes por que abrir uma agência na "cracolândia". Também não seria fácil atrair os profissionais. "A primeira ação foi fazer um projeto arquitetônico de impacto." Daí a idéia, exótica, de espalhar as redes para os funcionários descansarem durante o horário de trabalho, em meio à decoração moderna.

Um dos desafios da agência é fazer de um problema uma solução -ou seja, tirar proveito do marketing da "cracolândia". Aposta-se na recuperação do centro, no geral, e da "cracolância", em particular. Agora batizada de "Nova Luz", a região vem recebendo investimentos culturais como o Museu da Língua Portuguesa, a Estação Pinacoteca e a Sala São Paulo. Foram anunciadas desapropriações, construção de prédios públicos e estímulos fiscais para quem se instalar no bairro. O plano mais arrojado é atrair empresas da tecnologia da comunicação. "Apostamos na virada", diz Rinaldi.

É uma aposta do tipo da que ocorreu em bairros nova-iorquinos deteriorados, como Soho e Tribeca, que se tornaram áreas badaladas e disputadas -é certo, claro, que São Paulo não tem o dinheiro de Nova York nem o espírito comunitário e empreendedor dos americanos.

A Fess" decidiu ajudar gratuitamente o poder municipal a vender o conceito da "Nova Luz" como uma experiência urbanística -e só terá sucesso se as pessoas se dispuserem a trabalhar e a viver lá. "Estamos felizes trabalhando e nos sentindo pioneiros nessa experiência."

Um fato está ajudando o ânimo pioneiro da agência. Um dos maiores temores dos funcionários - a violência - por enquanto ainda não se justificou. A agência está instalada na região desde março. Só um empregado foi assaltado. Furtaram das mãos de uma de suas recepcionistas um saco de batata fritas.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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