REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

folha de s.paulo
16/07/2007

Como jogar dinheiro no lixo

As parcerias mostram como a estabilidade de emprego é uma das razões da ineficiência pública

Se você quiser ver como jogam no lixo o dinheiro de seu imposto, basta ler um único estudo produzido pelo Banco Mundial, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, sobre 13 hospitais públicos brasileiros. É um caso que poderia ser reproduzido em quase todas as esferas das administrações públicas.

O Banco Mundial comparou hospitais públicos comandados por OSs (organizações sociais), sem fins lucrativos, com unidades do mesmo porte, mas administradas pelo governo. A diferença é brutal.

Com mais flexibilidade para contratar, demitir e realizar compras, as organizações sociais não só tinham um custo médio por paciente 25% menor como, ainda por cima, realizaram 43% a mais de internações.

Gerido por entidades como a Fundação da Faculdade de Medicina da USP, a Santa Casa de Misericórdia ou a Universidade de São Paulo, esse modelo sofre pesado ataque corporativo, sob o argumento de que estaria "privatizando" a saúde pública.
Os opositores não conseguiram extirpar aquelas experiências, mas, através do PT, impediram, no final da década de 90, a aprovação de lei federal que ampliaria as parcerias.

Espalhadas por diversas partes do país, várias dessas parcerias, ao exibirem agilidade e redução de custos, mostram como a estabilidade de emprego é uma das razões da ineficiência pública -afinal, o incompetente dificilmente é demitido.

As evidências são tantas que, na semana passada, o próprio governo do PT lançou uma lei que permite a contratação de servidores pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para diversas áreas da administração federal, além da saúde, como turismo, meio ambiente e assistência social. De acordo com a lei, fundações estatais de direito privado seriam responsáveis pelos programas, obrigadas a cumprir metas.
Já se esperam mais reações corporativas, mas o fato é que, nesse projeto de lei, há uma tendência sem volta. Os sindicatos podem espernear à vontade e talvez vençam, na Justiça, muitas batalhas, mas dificilmente vão ganhar essa guerra.

A sociedade já se cansou do peso dos impostos -cerca de quatro meses de trabalho por ano- e da precariedade do serviço recebido. Pressões sociais sempre vão crescer e os recursos governamentais para novos investimentos estão no ralo. Há, portanto, um espaço para se testarem novas fórmulas de gestão, especialmente se o PT, agora no governo, não impedir novos retrocessos.

Um dos avanços brasileiros é a quase generalizada visão de que produzimos menos empregos do que poderíamos porque pagamos muito imposto -e esse imposto é, em boa parte, desperdiçado. Traduz-se em menos empregos e piores salários.

Um dos mais interessantes exemplos de gestão que conheço são as "charters schools", nos Estados Unidos. Uma entidade sem fins lucrativos assume uma escola pública, escolhe os diretores, os professores, o currículo. Sua obrigação é manter a escola aberta para todos, sem discriminação, e exibir resultados, ou seja, alunos com boas notas.

Como a administração dessas escolas já nasce com fortes laços comunitários, e tem de cumprir as metas, a motivação é maior; muitas são disputadas a tapa pelas famílias.

É quase impossível alguma coisa funcionar muito bem se os talentos não são reconhecidos e as mediocridades não são punidas.

Esse modelo é um avanço gerencial, mas, obviamente, não vem blindado. A enxurrada de denúncias, muitas delas muito bem fundamentadas, sobre desvios de recursos públicos em entidades não-governamentais, bem como a falta de fiscalização e a desqualificação de mão-de-obra, revela as previsíveis dificuldades da parceria entre o governo e a sociedade. Tantos são os escândalos que se esvai a imagem heróica das ONGs.

Há uma unanimidade em torno da idéia de que aqueles hospitais estudados pelo Banco Mundial vão bem porque são administrados por instituições de credibilidade incontestável e prestam contas permanentemente a conselhos externos e ao Tribunal de Contas do Estado.

PS - Passei a semana passada nos Estados Unidos e vi o efeito positivo de estimular a concorrência entre as escolas públicas. Na busca de eficiência, há um movimento para reduzir o tamanho das escolas (no máximo, com 400 alunos) e chamar universitários e profissionais de diversas áreas para dar aulas. Isso é o que explica por que uma boa parte das escolas públicas das regiões mais pobres de Nova York começa a melhorar rapidamente. Fala-se, lá, menos em reprovar o mau aluno do que em fechar e punir a escola que não funciona. Cidades estão experimentando pagar melhor a quem produz melhor. E juízes estão determinando que governos banquem a mensalidade dos alunos em escolas privadas enquanto não oferecerem ensino de bom nível.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
11/07/2007
Zelador cria laboratório jornalístico
10/07/2007
Dia sem carro é bobagem?
09/07/2007
O apagão do trânsito
04/07/2007 Arte que nasce da fumaça
03/07/2007
Universitário tem de trabalhar
02/07/2007
Lição de um triângulo amoroso
27/06/2007
Navegar é preciso
26/06/2007
A morte precoce dos idosos
25/06/2007
Teste para saber se você está morrendo
20/06/2007
Professora de aventura
Mais colunas