As parcerias
mostram como a estabilidade de emprego é uma das razões
da ineficiência pública
Se você quiser ver como jogam no lixo o dinheiro de
seu imposto, basta ler um único estudo produzido pelo
Banco Mundial, em parceria com a Fundação Oswaldo
Cruz, sobre 13 hospitais públicos brasileiros. É
um caso que poderia ser reproduzido em quase todas as esferas
das administrações públicas.
O Banco Mundial comparou hospitais públicos comandados
por OSs (organizações sociais), sem fins lucrativos,
com unidades do mesmo porte, mas administradas pelo governo.
A diferença é brutal.
Com mais flexibilidade para contratar, demitir e realizar
compras, as organizações sociais não
só tinham um custo médio por paciente 25% menor
como, ainda por cima, realizaram 43% a mais de internações.
Gerido por entidades como a Fundação da Faculdade
de Medicina da USP, a Santa Casa de Misericórdia ou
a Universidade de São Paulo, esse modelo sofre pesado
ataque corporativo, sob o argumento de que estaria "privatizando"
a saúde pública.
Os opositores não conseguiram extirpar aquelas experiências,
mas, através do PT, impediram, no final da década
de 90, a aprovação de lei federal que ampliaria
as parcerias.
Espalhadas por diversas partes do país, várias
dessas parcerias, ao exibirem agilidade e redução
de custos, mostram como a estabilidade de emprego é
uma das razões da ineficiência pública
-afinal, o incompetente dificilmente é demitido.
As evidências são tantas que, na semana passada,
o próprio governo do PT lançou uma lei que permite
a contratação de servidores pela CLT (Consolidação
das Leis do Trabalho) para diversas áreas da administração
federal, além da saúde, como turismo, meio ambiente
e assistência social. De acordo com a lei, fundações
estatais de direito privado seriam responsáveis pelos
programas, obrigadas a cumprir metas.
Já se esperam mais reações corporativas,
mas o fato é que, nesse projeto de lei, há uma
tendência sem volta. Os sindicatos podem espernear à
vontade e talvez vençam, na Justiça, muitas
batalhas, mas dificilmente vão ganhar essa guerra.
A sociedade já se cansou do peso dos impostos -cerca
de quatro meses de trabalho por ano- e da precariedade do
serviço recebido. Pressões sociais sempre vão
crescer e os recursos governamentais para novos investimentos
estão no ralo. Há, portanto, um espaço
para se testarem novas fórmulas de gestão, especialmente
se o PT, agora no governo, não impedir novos retrocessos.
Um dos avanços brasileiros é a quase generalizada
visão de que produzimos menos empregos do que poderíamos
porque pagamos muito imposto -e esse imposto é, em
boa parte, desperdiçado. Traduz-se em menos empregos
e piores salários.
Um dos mais interessantes exemplos de gestão que conheço
são as "charters schools", nos Estados Unidos.
Uma entidade sem fins lucrativos assume uma escola pública,
escolhe os diretores, os professores, o currículo.
Sua obrigação é manter a escola aberta
para todos, sem discriminação, e exibir resultados,
ou seja, alunos com boas notas.
Como a administração dessas escolas já
nasce com fortes laços comunitários, e tem de
cumprir as metas, a motivação é maior;
muitas são disputadas a tapa pelas famílias.
É quase impossível alguma coisa funcionar muito
bem se os talentos não são reconhecidos e as
mediocridades não são punidas.
Esse modelo é um avanço gerencial, mas, obviamente,
não vem blindado. A enxurrada de denúncias,
muitas delas muito bem fundamentadas, sobre desvios de recursos
públicos em entidades não-governamentais, bem
como a falta de fiscalização e a desqualificação
de mão-de-obra, revela as previsíveis dificuldades
da parceria entre o governo e a sociedade. Tantos são
os escândalos que se esvai a imagem heróica das
ONGs.
Há uma unanimidade em torno da idéia de que
aqueles hospitais estudados pelo Banco Mundial vão
bem porque são administrados por instituições
de credibilidade incontestável e prestam contas permanentemente
a conselhos externos e ao Tribunal de Contas do Estado.
PS - Passei a semana passada nos Estados Unidos e vi o efeito
positivo de estimular a concorrência entre as escolas
públicas. Na busca de eficiência, há um
movimento para reduzir o tamanho das escolas (no máximo,
com 400 alunos) e chamar universitários e profissionais
de diversas áreas para dar aulas. Isso é o que
explica por que uma boa parte das escolas públicas
das regiões mais pobres de Nova York começa
a melhorar rapidamente. Fala-se, lá, menos em reprovar
o mau aluno do que em fechar e punir a escola que não
funciona. Cidades estão experimentando pagar melhor
a quem produz melhor. E juízes estão determinando
que governos banquem a mensalidade dos alunos em escolas privadas
enquanto não oferecerem ensino de bom nível.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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