REFLEXÃO


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folha de s. paulo
16/07/2009

Porteiro reinventa as baladas

O DJ parou a música e olhou para o rapaz que acendera um baseado: "Acabou a festa"; um pacto fora descumprido

Durante uma balada na periferia, um jovem acendeu, despreocupado, um baseado. Pediram que apagasse. Se quisesse fumar, ele deveria deixar o salão. Aparentemente, concordou. Minutos depois, estava, de novo, com o baseado aceso. Mais uma vez o pedido -e, depois, mais uma vez descumprido. Do palco, o DJ parou a música, olhou para o rapaz e decretou: “Acabou a festa”. Lembrou que um pacto fora descumprido. Naquela festa, não entrariam nem maconha, nem bebida, nem cigarro, afinal a balada ocorreria dentro de uma escola pública. A reação foi inesperada.

Todos concordaram, apesar de contrariados. Mas as críticas não foram contra o DJ, mas contra o jovem que não cumpriu sua palavra, culpado pelo fim da festa. Reginaldo Gonçalves criou, nesse dia, uma nova modalidade de balada -a balada educativa.

Desde os quatro anos, Reginaldo mora em Heliópolis, onde testemunhou o efeito devastador das drogas e do álcool. “Muitos dos meus colegas de escola acabaram presos, mortos ou deficientes.” Outros contraíram as mais diversas doenças.

Ele suspeita que tenha se mantido vivo por causa da música. Ainda adolescente, conheceu “Sapão”, o primeiro DJ de Heliópolis, que hoje trabalha como segurança de uma empresa. Aprendeu a animar as festas, mas tirava seu sustento como porteiro de uma empresa das redondezas.

Por causa de uma série de atos de vandalismo, Reginaldo foi chamado a fazer as baladas no CEU, que fica na vizinhança de Heliópolis. Era o jeito de tentar aproximar os jovens da escola. Firmou-se, olho no olho com lideranças jovens (inclusive as piores), o pacto de que, como estariam numa escola pública, estavam vetadas maconha e bebida.

Por isso, não foi atacado por terminar, naquele dia, a festa por causa do rapaz com seu baseado.

Com a mudança de governo, as baladas terminaram no CEU e foram realizadas dentro de uma quadra de Heliópolis. “A diferença é que voluntários trataram de garantir o cumprimento das regras.”

Ser porteiro não fazia parte dos planos de Reginaldo. As baladas fizeram com que ele aceitasse convites para participar de projetos educativos na favela. Nas horas vagas e sem ganhar nada, divertia-se como locutor da rádio Heliópolis, uma das poucas autorizadas. Mas, por falta de recursos, as festas terminaram; a última delas ocorreu em novembro do ano passado.

Neste mês, conseguiu de uma empresa (TBC) apoio para ficar em tempo integral na rádio e um pequeno patrocínio para tocar um projeto para promover a emissora -a rádio integra o projeto de Heliópolis de se converter num bairro educador.

A primeira decisão de Reginaldo foi fazer um curso técnico para trabalhar com rádio, especialmente usando os recursos digitais.

A segunda é a volta, no próximo mês, das baladas educativas, com DJs de várias partes da cidade -agora se transformando em sua programação musical. “De certa forma, continuo porteiro. Só que estou abrindo outras portas.”


Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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