REFLEXÃO


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folha de s. paulo
08/07/2009

Tainá, Letícia e Mayara

O Brasil se comoveu, na semana passada, com duas meninas. Tainá Costa Alves, 8, levou um tiro, em São Paulo, que passou a três centímetros de seu coração. No Rio, Letícia Botelho teve menos sorte e foi assassinada no dia que completaria 13 anos -no momento do tiro, comprava o vestido para a sua festa de aniversário.
Por coincidência, quase ao mesmo tempo em que as balas eram disparadas, as duas cidades anunciaram um projeto que serve como uma resposta para a barbárie.

Como se fossem uma única cidade, Rio e SP iniciaram, em conjunto, uma experiência em 126 de suas áreas infestadas de violência, cuja meta, ambiciosa, não é servir de referência só ao Brasil, mas ganhar escala planetária, de Mumbai à Cidade do México, passando por Joanesburgo, vítimas da insegurança.

As duas cidades foram escolhidas pelo Unicef para testar um modelo de gestão, batizado de "Plataforma dos Centros Urbanos", em que se integram todos os níveis de poder, focados em pequenas comunidades - uma unidade menor do que o bairro.
Nesses focos, monta-se uma teia formada pelos governos federal, estadual e municipal, além de entidades não governamentais, Ministério Público, sindicatos, empresários, líderes religiosos, professores.

O que se pretende é fazer com que todos esses esforços resultem num modelo replicável em que se criem condições, nos lugares mais pobres, para o desenvolvimento das crianças e dos jovens e, aí, se trabalham de segurança e educação, passando por geração de renda, saúde e assistência social até drogas.

O centro da operação dessa plataforma urbana não é o poder oficial, mas a própria comunidade. Um de seus articuladores ganhou, na quinta-feira passada, destaque mundial. É a adolescente carioca Mayara Tavares que, durante o G8, na Itália, atraiu o olhar vivamente interessado do presidente Obama. Ela atua no bairro de Santa Cruz, zona oeste do Rio. Onde vive, ela teria uma chance razoável de um destino semelhante ao de Tainá ou Letícia.

Não se sabe o que vai sair da experiência no Rio e em SP. Mas dirigentes do Unicef dizem que, se os resultados forem bons, o projeto deve se expandir pelo mundo, onde existe a combinação explosiva entre juventude e grandes cidades.
Esse teste faz parte da descoberta do valor das pequenas coisas -e a semana passada foi mais um exemplo dessa descoberta.

Um encontro reuniu, na quarta-feira, em Brasília, 120 secretários de Educação, o que significa cerca de 40% das matrículas do país. Alguns deles compartilharam pequenas soluções que vêm realizando em seus municípios, muitas de baixo custo.
Em Londrina, muitos clubes, por falta de sócios, estavam abandonados. Nem precisaram de grandes reformas para que os estudantes de escolas públicas pudessem usar esses espaços; em SP são implantados os clubes-escolas. Em Sorocaba, criou-se um programa de visita de médicos às escolas e rapidamente se melhorou a produtividade dos alunos.

Em Recife, começam a desenvolver planos para que as escolas municipais tenham sua gestão compartilhada com a sociedade. Belo Horizonte, Nova Iguaçu e Barueri implantaram os bairros educativos -um projeto tocado na favela de Heliópolis, a maior de São Paulo.

No Rio, mulheres são remuneradas para fazer a ponte das famílias com a escola. Lá, na Cidade de Deus, notabilizada pelo cineasta Fernando Meirelles, escolas têm agora um professor treinado especialmente para fazer o elo com a comunidade.
Decidiu-se que esse tipo de professor será disseminado por toda a cidade no projeto "Escolas do Amanhã", focado nas regiões mais vulneráveis. Esse projeto se funde, na prática, como as "Plataformas dos Centros Urbanos", do Unicef.

Sempre houve pequenas e inventivas soluções. A diferença é que, agora, elas estão ganhando escala, passando a atingir não centenas nem milhares de pessoas, mas milhões -o Bolsa Escola começou como um projeto em Brasília e em Campinas, depois se expandiu pelo Brasil e virou o Bolsa Família.

Os secretários estavam reunidos em Brasília por causa de um programa batizado de "Mais Educação", em que se envolvem vários ministérios e prefeituras para aumentar a jornada escolar. A mais recente adesão foi a do Ministério da Defesa.
Motivo: a abertura dos quartéis da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, onde existem quadras de esporte que podem ser abertas aos jovens.

O Ministério da Saúde está ampliando seu programa de família para os estudantes. O Ministério da Justiça se integra com seu programa de jovens nos territórios vulneráveis. O "Mais Educação" já está em 5.000 escolas. Mas a tendência é se expandir -mudanças na legislação permitem recursos para os municípios que implantem o tempo integral. A aula pode acontecer em qualquer lugar, dentro ou fora da escola. Por exemplo: na quadra de esporte de um quartel.

Por problemas burocráticos ou políticos, São Paulo não se credenciou para os recursos (R$ 70 mil por escola) destinados a aumentar a jornada escolar e jogou o dinheiro fora. Nesse tipo de desenvolvimento local, articulado por adolescentes como Mayara, está a melhor resposta para Tainá e Letícia.

PS - Vale a pena prestar muita atenção na experiência do Instituto Unibanco -é, mais uma vez, a prova das pequenas soluções que ficam grandes. Ele ajudou 250 escolas de ensino médio a melhorar sua gestão e as notas avançaram rapidamente. Nesse momento, ele está ensinando os próprios alunos a serem mobilizadores comunitários.


Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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