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REFLEXÃO


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urbanidade
16/11/2005
Museu da natureza morta

São Paulo está prestes a reciclar uma serraria e transformá-la num museu dedicado à preservação da natureza . A irônica reciclagem se deve a Frans Krajcberg, de 84 anos, um dos mais famosos artistas plásticos brasileiros que, aliás, tem dificuldade de vir para a cidade por causa da natureza.

Não é fácil para ele se deslocar para São Paulo, e essa dificuldade tem pouco a ver com a sua idade. Vive numa casa construída em cima de uma árvore, com vista para o mar, em Nova Viçosa, no sul da Bahia. É como se vivesse numa de suas próprias instalações de arte, cercado por flores, pelos pássaros e pela brisa constante. "Fico desnorteado no meio da barulheira e da agitação."

Apesar do incômodo, Krajcberg, polonês naturalizado brasileiro, sente-se grato a São Paulo, que o recebeu em 1948, quando a Europa estava destruída pela Segunda Guerra Mundial. O pintor Marc Chagall ajudou-o a comprar uma passagem de terceira classe de navio e deu-lhe uma carta de recomendação. "Fui acolhido por muitos artistas."

Instalou-se em um pequeno apartamento no Bom Retiro, então um bairro essencialmente de judeus, em que se ouviam nas ruas o ídiche e o polonês. "Meu apartamento ficava próximo ao trilho do trem e nunca me acostumei com a tremedeira." Naqueles tempos, a cidade não tinha nem 30 mil automóveis e ainda se disputavam torneios de natação no rio Tietê, nas proximidades do Bom Retiro.

O primeiro grande reconhecimento de Krajcberg ocorreu, em 1951, na primeira Bienal de artes plásticas, hoje abrigada no parque Ibirapuera. "São Paulo foi uma plataforma para minha carreira." Uma plataforma de onde rumou para a notoriedade internacional, devido à sua capacidade de fazer esculturas a partir da destruição de árvores. Sua arte mescla-se à indignação. "É uma loucura, estamos esgotando nossos recursos naturais." Uma de suas obsessões se tornou a educação para evitar a destruição do ambiente.

A gratidão com a que o acolheu e a preocupação em educar crianças sobre preservação da natureza fizeram com que ele doasse para São Paulo dezenas de suas obras. O que não sabia é que as peças ficariam num galpão sem uso no Ibirapuera que, no passado, produzia o pior dos barulhos para seus ouvidos: uma serraria. Pelo menos, ali, as obras estarão para sempre no sossego da natureza.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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