Formada em história pela Universidade
de São Paulo, Daniela Moureau conheceu a África pela primeira
vez em 1995, quando tomou contato, durante um festival de
cinema, com um grupo de homens e mulheres de uma tribo de
nômades. Naquela época, sua atração pelo continente africano
tinha menos a ver com projetos acadêmicos do que com o hobby
que nutria pela tecelagem -mais precisamente, pela produção
de tecidos por meio de técnicas artesanais. Chamava-lhe a
atenção a forma como se faziam roupas nas tribos. "Aquelas
estampas de tecidos são fantásticas."
Daquela despretensiosa viagem surgiu nela uma paixão pela
África, para onde ela vai duas vezes por ano. A paixão ganhou
forma num sobrado de dois andares em uma rua silenciosa e
arborizada do bairro da Pompéia. Lá, existe uma biblioteca
pública criada e mantida por Daniela. É um tesouro em São
Paulo, pouco conhecido: são 3.000 títulos sobre a história
e os costumes africanos, o que não se encontra, concentrado
num único espaço, em nenhuma faculdade brasileira. Novos títulos,
além de vídeos, são adquiridos mensalmente.
Em 2003, Daniela juntou-se aos professores Acácio Almeida
Santos e Denise Dias Barros, cujo doutorado os tinha levado
a percorrer tribos africanas, para fundar a Casa das Áfricas,
onde está a biblioteca. "O brasileiro não conhece a África,
só percebida como uma região violenta, exótica e atrasada.
Não existe, aliás, uma África, são várias Áfricas, daí nosso
nome", diz Daniela.
Aquela casa virou o centro de romaria de uma tribo quase invisível
de São Paulo: a dos africanos que vivem na cidade, muitos
deles alunos da USP, outros exilados políticos.
Descobriram, naquele espaço, uma nova identidade: a identidade
de africanos confrontados com discriminação ou estranheza
da sociedade que os imagina todos iguais. E, muitas vezes,
encara-os como suspeitos de alguma irregularidade, devido
à disseminação do preconceito contra os nigerianos, alguns
deles presos por tráfico de drogas. Para mostrar seus países,
os freqüentadores do espaço estão planejando fazer, no próximo
mês, uma semana cultural. "O que queremos é fazer essa ponte
entre dois continentes tão próximos e, ao mesmo tempo, tão
distantes culturalmente", propõe Daniela. Pelo menos naquela
casa, com um tesouro escondido, em Pompéia, essa junção ocorreu.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
na editoria Cotidiano.
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