Neste
ano senti, como nunca, a combinação de prosperidade
com democracia; senti uma sensação de vitória
coletiv
A pergunta do título é minha preocupação
neste fim de ano, porque tenho 51 anos de idade, o que significa
dizer que já vivi meio século. Nesse tempo,
vivi basicamente duas fases na história do Brasil:
1) durante o regime militar, a prosperidade econômica
com falta de liberdade; 2) depois da derrocada dos militares,
o baixo crescimento econômico, exceto durante um ou
outro surto passageiro decorrente de algum artificialismo,
com expansão dos direitos civis.
Em poucas palavras, pertenço a uma geração
de frustrados. Quando havia mais dinheiro, padecíamos
com menos democracia -e, quando reconquistamos a democracia,
sofremos com o agravamento da pobreza, traduzida na violência
dos grandes centros urbanos.
Imaginei que, com o fim da ditadura, fôssemos ter uma
sensação de segurança. A barbárie
da tortura estaria extinta. Sou obrigado a reconhecer, lembrando-me
dos tempos em que se andava na rua despreocupado, que a violência
de hoje é muito mais disseminada do que nos tempos
da ditadura militar. Naquela época, pelo menos, sabia-se
a quem combater para diminuir a barbárie.
No ano de 2007, em particular, senti, como nunca, a combinação
de prosperidade com democracia, graças a pelo menos
três anos consecutivos de estabilidade política
e econômica. Pela primeira vez, senti uma sensação
de vitória coletiva.
Foi em 2007 que um mestre-de-obras conseguiu ganhar mais de
R$ 5.000 mensais e que o mercado disputou um engenheiro, cujo
salário duplicou. Foi também em 2007 que melhoraram
os rendimentos dos trabalhadores mais qualificados, engrossando
a classe média, que, nos últimos anos, só
vinha definhando. Tornou-se um problema o apagão de
profissionais.
Foi um ano em que muita gente percebeu que mais vale aplicar
o dinheiro nas ações de uma empresa, ou seja,
na produção, do que aplicá-lo em um papel
público, ou seja, na especulação. Não
li, no balanço do ano passado, nada que estimasse,
nem remotamente, as bilionárias quantias levantadas
por empresas, a começar da Bovespa e da BM&F, com
a oferta de ações. Quem imaginava que o PT,
deixando baboseiras de lado, iria regozijar-se numa bem-sucedida
privatização de estradas?
Naturalmente, as conquistas são fruto de uma longa
construção de consensos e de uma seqüência
de aprendizados. Daí que beira o ridículo o
"nunca-antes-na-história-deste-país",
tão repetido por Lula, como se ele fosse um marco divisor
na história do Brasil.
Não menos ridiculamente desinformado é aquele
que deixa de reconhecer a valiosa contribuição
de Lula, até agora, para a estabilidade com geração
de empregos.
Nada disso obviamente quer dizer que um país com tanta
miséria, desigualdade e violência esteja bem.
Nem quer dizer que não sejam imprescindíveis
reformas para que se estimule o espírito empreendedor
e se avance na eficiência do poder público, com
a redução e a racionalização dos
gastos. Significa só que nunca o Brasil esteve tão
bem.
O fato é que a combinação de prosperidade
econômica com democracia abre espaço para temáticas
como o desenvolvimento do capital humano, essencial tanto
para assegurar o crescimento econômico e a distribuição
de renda como para reduzir a violência.
Estamos vendo com inédita clareza o tamanho e o custo
da ignorância. Sintomaticamente, quem está à
frente do movimento por melhoria da educação
são os empresários -algo que não seria
possível se estivessem engolfados por crises inflacionárias
ou por súbitas mudanças nas regras do jogo.
Leio por todos os lados que, para 2008, há perigos
trazidos pela economia mundial, o que poria em risco o crescimento
brasileiro. Tais riscos agravariam ainda mais as fragilidades
estruturais do país. Daí que, nesta véspera
de Ano Novo, meu receio é ter saudades de 2007 -o ano
em que a geração dos derrotados sentiu um gosto
de vitória.
PS - Além das questões político-econômicas,
2007 para mim tem uma fachada: o prazer de ver minha cidade
livre da poluição dos outdoors. É o símbolo
visível de que uma sociedade pode enfrentar a decadência.
Melhor símbolo ainda, porém, é uma estatística:
a redução de 75% do número de assassinatos
desde 1999. Não é pouca coisa testemunhar uma
cidade se limpando, gerando empregos e reduzindo a violência.
Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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