REFLEXÃO


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folha de s.paulo
30/12/2007

Vou sentir saudades de 2007?

Neste ano senti, como nunca, a combinação de prosperidade com democracia; senti uma sensação de vitória coletiv


A pergunta do título é minha preocupação neste fim de ano, porque tenho 51 anos de idade, o que significa dizer que já vivi meio século. Nesse tempo, vivi basicamente duas fases na história do Brasil: 1) durante o regime militar, a prosperidade econômica com falta de liberdade; 2) depois da derrocada dos militares, o baixo crescimento econômico, exceto durante um ou outro surto passageiro decorrente de algum artificialismo, com expansão dos direitos civis.

Em poucas palavras, pertenço a uma geração de frustrados. Quando havia mais dinheiro, padecíamos com menos democracia -e, quando reconquistamos a democracia, sofremos com o agravamento da pobreza, traduzida na violência dos grandes centros urbanos.

Imaginei que, com o fim da ditadura, fôssemos ter uma sensação de segurança. A barbárie da tortura estaria extinta. Sou obrigado a reconhecer, lembrando-me dos tempos em que se andava na rua despreocupado, que a violência de hoje é muito mais disseminada do que nos tempos da ditadura militar. Naquela época, pelo menos, sabia-se a quem combater para diminuir a barbárie.

No ano de 2007, em particular, senti, como nunca, a combinação de prosperidade com democracia, graças a pelo menos três anos consecutivos de estabilidade política e econômica. Pela primeira vez, senti uma sensação de vitória coletiva.

Foi em 2007 que um mestre-de-obras conseguiu ganhar mais de R$ 5.000 mensais e que o mercado disputou um engenheiro, cujo salário duplicou. Foi também em 2007 que melhoraram os rendimentos dos trabalhadores mais qualificados, engrossando a classe média, que, nos últimos anos, só vinha definhando. Tornou-se um problema o apagão de profissionais.

Foi um ano em que muita gente percebeu que mais vale aplicar o dinheiro nas ações de uma empresa, ou seja, na produção, do que aplicá-lo em um papel público, ou seja, na especulação. Não li, no balanço do ano passado, nada que estimasse, nem remotamente, as bilionárias quantias levantadas por empresas, a começar da Bovespa e da BM&F, com a oferta de ações. Quem imaginava que o PT, deixando baboseiras de lado, iria regozijar-se numa bem-sucedida privatização de estradas?

Naturalmente, as conquistas são fruto de uma longa construção de consensos e de uma seqüência de aprendizados. Daí que beira o ridículo o "nunca-antes-na-história-deste-país", tão repetido por Lula, como se ele fosse um marco divisor na história do Brasil.

Não menos ridiculamente desinformado é aquele que deixa de reconhecer a valiosa contribuição de Lula, até agora, para a estabilidade com geração de empregos.

Nada disso obviamente quer dizer que um país com tanta miséria, desigualdade e violência esteja bem. Nem quer dizer que não sejam imprescindíveis reformas para que se estimule o espírito empreendedor e se avance na eficiência do poder público, com a redução e a racionalização dos gastos. Significa só que nunca o Brasil esteve tão bem.

O fato é que a combinação de prosperidade econômica com democracia abre espaço para temáticas como o desenvolvimento do capital humano, essencial tanto para assegurar o crescimento econômico e a distribuição de renda como para reduzir a violência.

Estamos vendo com inédita clareza o tamanho e o custo da ignorância. Sintomaticamente, quem está à frente do movimento por melhoria da educação são os empresários -algo que não seria possível se estivessem engolfados por crises inflacionárias ou por súbitas mudanças nas regras do jogo.

Leio por todos os lados que, para 2008, há perigos trazidos pela economia mundial, o que poria em risco o crescimento brasileiro. Tais riscos agravariam ainda mais as fragilidades estruturais do país. Daí que, nesta véspera de Ano Novo, meu receio é ter saudades de 2007 -o ano em que a geração dos derrotados sentiu um gosto de vitória.

PS - Além das questões político-econômicas, 2007 para mim tem uma fachada: o prazer de ver minha cidade livre da poluição dos outdoors. É o símbolo visível de que uma sociedade pode enfrentar a decadência. Melhor símbolo ainda, porém, é uma estatística: a redução de 75% do número de assassinatos desde 1999. Não é pouca coisa testemunhar uma cidade se limpando, gerando empregos e reduzindo a violência.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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