Dessa
exótica combinação entre oratórios
e pranchetas, está nascendo a reforma do bairro da
Liberdade
Quando estudava arquitetura no Mackenzie, em 1978, Márcio
Lupion resolveu mudar radicalmente de vida. Trancou a matrícula,
parou de surfar e foi morar num templo hinduísta, onde
se transformou em monge. Em meio às meditações,
ele sentiu que seu destino estava mesmo ligado à estética,
voltou para a faculdade e fez mestrado em arquitetura sagrada
oriental. "Aprendi como formas e cores alteram o estado
psicológico dos indivíduos."
Dessa exótica combinação
entre oratórios e pranchetas, está nascendo
a reforma do bairro da Liberdade, a ser iniciada no próximo
ano, quando se comemoram os cem anos da presença dos
japoneses no Brasil.
"O belo gera respeito e apego ao lugar em que moramos",
afirma Lupion. Além de fazer projetos, ele ainda dá
aulas de arquitetura em diversas faculdades, entre as quais
o Mackenzie.
A idéia de reforma do bairro surgiu numa manhã
em que, ao lado de seu filho, Lupion cuidava de um jardim
numa praça pública da Liberdade -ele desenvolveu
o hábito de cultivar bonsais. Um grupo de turistas
passou pelo local e reclamou da sujeira e da feiúra.
"Senti-me pessoalmente atingido." Resolveu, então,
ir além do jardim, disposto a juntar os seus conhecimentos
de monge com os ensinamentos da arquitetura.
Para tocar o projeto, ele pediu a ajuda voluntária
de seus colegas de escritório, onde existe o hábito
da meditação. "Trabalho tem de ser fonte
de prazer." Conseguiu o apoio da comunidade japonesa
para patrocínios e a aprovação da prefeitura.
Com duração prevista para cinco anos, o projeto
é dividido em etapas.
Na primeira fase, praças, viadutos e ruas vão
ter fachadas típicas do século 17. Um de seus
planos é erguer um gigantesco Buda, cercado de fontes
de água e flores, que esteja como referência
para o bairro como a estátua do Cristo Redentor está
para o Rio de Janeiro.
Logo em seguida, pretende usar 50 imóveis em negócios
ligados ao que existe de mais contemporâneo no Japão
em arte, moda e tecnologia, sem esquecer o toque da tradição
-as ruas desses imóveis recebem, de acordo com o projeto,
jardins com bambus imperiais.
Ao deixar a vida de monge para as pranchetas, Lupion estava
convencido de que a estética tem o dom de produzir
virtudes. Imagina que o bairro da Liberdade revigorado conseguirá
inspirar todo o entorno, boa parte do qual deteriorado, como
a região do Glicério. "Não queremos
fazer uma ilha, mas uma onda."
Coluna originalmente publicada
na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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