HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

apoio
07/10/2004

Curso gratuito para gestantes oferece enxoval e dicas de maternidade

Toda terça-feira, a casa de Geralda Maria Jesus, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, se enche de grávidas. Em sua maioria, jovens que encaram uma gestação precoce. Elas querem se preparar para a hora do parto e aprender a cuidar do bebê que vai chegar. Mais ainda: querem receber o enxoval com itens fundamentais, como banheira e mamadeira, que muitas não podem comprar.

A sala de Dona Geralda é pequena para as 25 mulheres que a freqüentam - desde adolescentes, que engravidaram aos 13, até mães veteranas, que já passaram dos trinta.

“O curso é muito falado. Não preciso ir na casa de ninguém para convidar, elas mesmo divulgam no boca-a-boca. E a cada ano, a procura tem aumentado”, anima-se Dona Geralda.

Noções de pré-natal
Em um mês de aulas semanais, as futuras mães recebem orientação sobre amamentação, higiene do bebê, conhecem as doenças mais freqüentes e o risco de vícios maternos, como alcoolismo, tabagismo e drogas, para a saúde do bebê. Para muitas das alunas, especialmente as que vivem uma gravidez precoce, faltam noções fundamentais sobre a experiência pela qual estão passando.

“Falo das vacinas, da necessidade do pré-natal. E sobre doenças sexualmente transmissíveis. A maioria só conhece a Aids”, conta a enfermeira e assistente social Suely da Silva Novelli, de 59 anos. Voluntária no curso de Dona Geralda, Suely usa uma apostila, doada pelo posto de saúde, para transmitir “o básico”. Mas vai além: “Na primeira aula, procuro passar para as futuras mães que o amor é tudo”, diz.

Aos 15 anos, Monique dos Reis Ribeiro tem um bebê de quase um mês. “O curso aqui é muito falado. Vim para aprender como cuidar de uma criança e também para não ficar em casa. Aprendi coisas valiosas, como dar de mamar e a cuidar de mim depois do parto. E graças a Deus que tenho minha sogra e minha mãe para me ajudar”, conta.

Algumas admitem que vão atraídas pelo enxoval, que de outra forma não teriam condições de fazer. Como Ana Gleyb dos Santos, de 16 anos, em sua segunda gestação. “Fiquei sabendo do curso por minhas amigas. Antes de ficar grávida pela primeira vez, eu já cuidava dos meus primos, por isso tenho um pouco de prática com criança. Mas não tenho condições de comprar roupinhas para o meu bebê, e aqui dão o enxoval”, explica Ana, grávida de nove meses. Sua primeira filha tem um ano e meio.

Grávida de chupeta
Gabriela Moreno conta que também foi movida pelo enxoval, mas está aprendendo a cuidar de criança, descobrindo “coisas úteis para o dia-a-dia”. Aos 14 anos, ela ainda se sente despreparada para a maternidade precoce. Sem tirar a chupeta da boca, Gabriela ostenta o barrigão de oito meses de gestação. Com o cursinho, Dona Geralda procura amenizar a falta de preparo das jovens.

“Sei que tem muitas mães por aqui que precisam de orientação e de um enxoval. Aqui há gente muito carente”, explica. Geralda e a enfermeira Suely são membros do Centro Espírita Kardecista Casa de Agostinho, que funciona no Largo do Pechincha. E considera o curso uma forma de ajudar ao próximo.

“Digo a elas que não adianta ter roupas caras. O fundamental é o amor e o carinho para com o filho. Falo um pouco de Deus, dos motivos por que elas estão no curso. Nas aulas seguintes falo dos cuidados que a gestante deve ter com o próprio corpo, da função da placenta, do cordão umbilical”, explica Suely.

A idéia de criar o curso surgiu para Dona Geralda há 13 anos, quando ela viu os oito filhos já criados e percebeu que, aos 65 anos, ainda estava cheia de disposição. Em vez de ficar de braços cruzados diante da precariedade que via a sua volta, resolveu fazer alguma coisa.

O apoio às grávidas da Cidade de Deus, para a dona-de-casa, é uma forma de retribuir a ajuda que recebeu quando ficou viúva, aos 36 anos. “Passei por dificuldades, mas tive muita ajuda do Lar Fabiano de Cristo para conseguir criar meus filhos. Então resolvi fazer a mesma coisa”, lembra.

Enxoval
No começo, as aulas eram na quadra da Escola de Samba da Cidade de Deus, e a própria Geralda se encarregava de conversar com as meninas. “Também tinha menos mães, eram cerca de dez gestantes”, lembra.

Com o tempo, o curso passou a funcionar em sua própria casa. Os enxovais - hoje doados pelos freqüentadores do Centro Kardecista que Geralda freqüenta -, eram feitos com dinheiro que ela própria obtinha, batalhando pela favela.“Vendia jornais e latinhas que catava pela comunidade. Com o que eu ganhava, comprava a fazenda para as roupinhas de bebê. E fazia tudo sozinha”, lembra.

Mas a coisa foi crescendo e o tempo ficando curto. “Não tinha como bordar e costurar os 25 enxovais que distribuímos atualmente. Agora, quem dá tudo são os meus amigos da Casa de Agostinho”, diz.

Se não fosse pelo curso de gestante, a dona-de-casa Maria Estela Bicudo, de 36 anos, ia passar momentos ainda mais difíceis. “Eu tinha operado a vesícula há um mês, quando descobri que estava grávida de quatro meses. Entrei em depressão, pensei que não conseguiria ter o bebê. Aqui encontrei apoio”, fala.

A convivência nas aulas tem sido benéfica para Maria Estela. “Além dos problemas de saúde, já tenho uma filha de seis anos e meu marido está desempregado. Não sei como seria se não contasse com a bondade dessas pessoas”, desabafa. A filha recém-nascida está agora com quase um mês de vida.

Sopa no Luar de Prata
Dona Geralda sempre ajudou os vizinhos e todo aquele que batia em sua porta. “Mesmo sem ter, eu fazia uma força, tentava dar um jeito”, diz. Há tempos, ela ampliou essa ajuda. Além das aulas e dos enxovais, passou a fornecer sopa no Luar de Prata, área ainda mais pobre da Cidade de Deus. Agora, sua casa praticamente vive de portas abertas.

O sopão também entrou na rotina diária, distribuído em sua mesa a quem estiver com fome. Algumas das gestantes do curso aproveitam para levar a comida para a família que ficou em casa. A própria Geralda não conta com muitos recursos. Até hoje não conseguiu receber a pensão do marido falecido. Mas o INSS não concedeu.

“Vivo da pensão do meu filho, que é aposentado”, fala. Ela diz que recebe ajuda porque as pessoas “vêem para onde tudo está indo e que nada é para eu usufruir com a minha família”. O que ela ganha com o que faz? “Ganho amizade. Acho que é hora de eu agradar a Deus.”


VILMA HOMERO
do site Viva Favela

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
07/10/2004 ONG atua com adolescente infratores em liberdade
07/10/2004 Cães ajudam a tratar idosos
06/10/2004 ONG investe na respiração para combater o estresse
06/10/2004
Programa educa comunidades carentes do RJ
06/10/2004 Projeto pretende ensinar futebol de praia a crianças e jovens paulistanos
06/10/2004 Prêmio Telemar irá premiar ações de incentivo ao uso da Internet
06/10/2004 40% dos porto-alegrenses estão engajados em causas sociais
05/10/2004 USP oferece curso de braille pela Internet
04/10/2004
Jovens trocam trabalho em olaria por educação
04/10/2004
Livro mostra exemplos de mobilização juvenil