Toda terça-feira, a casa
de Geralda Maria Jesus, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio,
se enche de grávidas. Em sua maioria, jovens que encaram
uma gestação precoce. Elas querem se preparar
para a hora do parto e aprender a cuidar do bebê que
vai chegar. Mais ainda: querem receber o enxoval com itens
fundamentais, como banheira e mamadeira, que muitas não
podem comprar.
A sala de Dona Geralda é pequena para as 25 mulheres
que a freqüentam - desde adolescentes, que engravidaram
aos 13, até mães veteranas, que já passaram
dos trinta.
“O curso é muito falado. Não preciso
ir na casa de ninguém para convidar, elas mesmo divulgam
no boca-a-boca. E a cada ano, a procura tem aumentado”,
anima-se Dona Geralda.
Noções de pré-natal
Em um mês de aulas semanais, as futuras mães
recebem orientação sobre amamentação,
higiene do bebê, conhecem as doenças mais freqüentes
e o risco de vícios maternos, como alcoolismo, tabagismo
e drogas, para a saúde do bebê. Para muitas das
alunas, especialmente as que vivem uma gravidez precoce, faltam
noções fundamentais sobre a experiência
pela qual estão passando.
“Falo das vacinas, da necessidade do pré-natal.
E sobre doenças sexualmente transmissíveis.
A maioria só conhece a Aids”, conta a enfermeira
e assistente social Suely da Silva Novelli, de 59 anos. Voluntária
no curso de Dona Geralda, Suely usa uma apostila, doada pelo
posto de saúde, para transmitir “o básico”.
Mas vai além: “Na primeira aula, procuro passar
para as futuras mães que o amor é tudo”,
diz.
Aos 15 anos, Monique dos Reis Ribeiro tem um bebê
de quase um mês. “O curso aqui é muito
falado. Vim para aprender como cuidar de uma criança
e também para não ficar em casa. Aprendi coisas
valiosas, como dar de mamar e a cuidar de mim depois do parto.
E graças a Deus que tenho minha sogra e minha mãe
para me ajudar”, conta.
Algumas admitem que vão atraídas pelo enxoval,
que de outra forma não teriam condições
de fazer. Como Ana Gleyb dos Santos, de 16 anos, em sua segunda
gestação. “Fiquei sabendo do curso por
minhas amigas. Antes de ficar grávida pela primeira
vez, eu já cuidava dos meus primos, por isso tenho
um pouco de prática com criança. Mas não
tenho condições de comprar roupinhas para o
meu bebê, e aqui dão o enxoval”, explica
Ana, grávida de nove meses. Sua primeira filha tem
um ano e meio.
Grávida de chupeta
Gabriela Moreno conta que também foi movida
pelo enxoval, mas está aprendendo a cuidar de criança,
descobrindo “coisas úteis para o dia-a-dia”.
Aos 14 anos, ela ainda se sente despreparada para a maternidade
precoce. Sem tirar a chupeta da boca, Gabriela ostenta o barrigão
de oito meses de gestação. Com o cursinho, Dona
Geralda procura amenizar a falta de preparo das jovens.
“Sei que tem muitas mães por aqui que precisam
de orientação e de um enxoval. Aqui há
gente muito carente”, explica. Geralda e a enfermeira
Suely são membros do Centro Espírita Kardecista
Casa de Agostinho, que funciona no Largo do Pechincha. E considera
o curso uma forma de ajudar ao próximo.
“Digo a elas que não adianta ter roupas caras.
O fundamental é o amor e o carinho para com o filho.
Falo um pouco de Deus, dos motivos por que elas estão
no curso. Nas aulas seguintes falo dos cuidados que a gestante
deve ter com o próprio corpo, da função
da placenta, do cordão umbilical”, explica Suely.
A idéia de criar o curso surgiu para Dona Geralda
há 13 anos, quando ela viu os oito filhos já
criados e percebeu que, aos 65 anos, ainda estava cheia de
disposição. Em vez de ficar de braços
cruzados diante da precariedade que via a sua volta, resolveu
fazer alguma coisa.
O apoio às grávidas da Cidade de Deus, para
a dona-de-casa, é uma forma de retribuir a ajuda que
recebeu quando ficou viúva, aos 36 anos. “Passei
por dificuldades, mas tive muita ajuda do Lar Fabiano de Cristo
para conseguir criar meus filhos. Então resolvi fazer
a mesma coisa”, lembra.
Enxoval
No começo, as aulas eram na quadra da Escola
de Samba da Cidade de Deus, e a própria Geralda se
encarregava de conversar com as meninas. “Também
tinha menos mães, eram cerca de dez gestantes”,
lembra.
Com o tempo, o curso passou a funcionar em sua própria
casa. Os enxovais - hoje doados pelos freqüentadores
do Centro Kardecista que Geralda freqüenta -, eram feitos
com dinheiro que ela própria obtinha, batalhando pela
favela.“Vendia jornais e latinhas que catava pela comunidade.
Com o que eu ganhava, comprava a fazenda para as roupinhas
de bebê. E fazia tudo sozinha”, lembra.
Mas a coisa foi crescendo e o tempo ficando curto. “Não
tinha como bordar e costurar os 25 enxovais que distribuímos
atualmente. Agora, quem dá tudo são os meus
amigos da Casa de Agostinho”, diz.
Se não fosse pelo curso de gestante, a dona-de-casa
Maria Estela Bicudo, de 36 anos, ia passar momentos ainda
mais difíceis. “Eu tinha operado a vesícula
há um mês, quando descobri que estava grávida
de quatro meses. Entrei em depressão, pensei que não
conseguiria ter o bebê. Aqui encontrei apoio”,
fala.
A convivência nas aulas tem sido benéfica para
Maria Estela. “Além dos problemas de saúde,
já tenho uma filha de seis anos e meu marido está
desempregado. Não sei como seria se não contasse
com a bondade dessas pessoas”, desabafa. A filha recém-nascida
está agora com quase um mês de vida.
Sopa no Luar de Prata
Dona Geralda sempre ajudou os vizinhos e todo aquele
que batia em sua porta. “Mesmo sem ter, eu fazia uma
força, tentava dar um jeito”, diz. Há
tempos, ela ampliou essa ajuda. Além das aulas e dos
enxovais, passou a fornecer sopa no Luar de Prata, área
ainda mais pobre da Cidade de Deus. Agora, sua casa praticamente
vive de portas abertas.
O sopão também entrou na rotina diária,
distribuído em sua mesa a quem estiver com fome. Algumas
das gestantes do curso aproveitam para levar a comida para
a família que ficou em casa. A própria Geralda
não conta com muitos recursos. Até hoje não
conseguiu receber a pensão do marido falecido. Mas
o INSS não concedeu.
“Vivo da pensão do meu filho, que é aposentado”,
fala. Ela diz que recebe ajuda porque as pessoas “vêem
para onde tudo está indo e que nada é para eu
usufruir com a minha família”. O que ela ganha
com o que faz? “Ganho amizade. Acho que é hora
de eu agradar a Deus.”
VILMA HOMERO
do site Viva Favela
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