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30/10/2003
Futebol recupera adolescentes em Liberdade Assistida

Vanessa Sayuri Nakasato

O futebol que já deixou milhares de meninos e meninas longe da violência também é capaz de recuperar aqueles que se envolveram no mundo do crime. Pelo menos foi isso que mostrou o Futebol Libertário, um projeto desenvolvido pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca) que, em setembro, reinseriu na sociedade 18 dos 20 adolescentes da turma piloto. A proposta do trabalho é a reeducação de jovens em Liberdade Assistida (L.A.) por meio do esporte.

A L.A. é uma das seis medidas sócio-educativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para recuperar jovens com até 21 anos de idade que cometeram algum ato infracional. Atualmente, há 13 mil adolescentes em L.A. só no Estado de São Paulo, segundo a Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem). Cerca de 3 .500 deles estão na capital.

É a primeira vez que o futebol é utilizado como medida sócio-educativa no país. A experiência é fruto da tese de especialização de Fábio Silvestre Silva, pós-graduando em Psicologia do Esporte e coordenador do projeto de L.A. do Cedeca Interlagos, em São Paulo.

Entre março e agosto deste ano, os 20 adolescentes, entre meninos e meninas, compareceram uma vez por semana a um dos campos de futebol do Sesc Interlagos, parceiro do Cedeca. Durante os cinco meses, Fábio usou o esporte para trabalhar os anseios, expectativas, medos, revoltas e, principalmente, a auto-estima desses jovens. Para ele, os resultados foram mais do que satisfatórios. Foram surpreendentes.

Fábio conta que os adolescentes chegaram ao Cedeca humilhados. Não tratavam os adultos pelo nome, sempre os chamavam de senhor ou senhora, e não olhavam diretamente nos olhos de ninguém. Caso fossem chamados por seus respectivos nomes, se assustavam, já que, na Febem, não passavam de um número. Hoje, o diálogo flui, possuem auto-confiança e conseguem se expressar sempre que necessário.

No jogo de futebol, os adolescentes não aprenderam apenas a jogar bola. De acordo com Fábio, esse foi o item menos relevante. Ele explica que a idéia foi pegar situações de jogo e transferir para o cotidiano de cada um. Por exemplo, alguém que tentou resolver sozinho uma jogada. E na vida, como é pensar e executar algo sem a ajuda de ninguém? Qual é o êxito disso? Qual a importância do outro no dia-a-dia?

Segundo o psicólogo, essa transposição surtiu efeito já nas primeiras semanas. Os adolescentes passaram a entender como é viver em grupo, quem é e como é ser líder, como é fazer uma mobilização social e como isso pode ser revertido em suas comunidades. "Trabalhamos para que eles pudessem sair do projeto como atores de suas próprias vidas. É o que chamamos aqui de protagonismo", ressaltou Fábio.

Além do prazer em praticar o esporte, para Fábio, a chave dos saldos positivos foi mexer com todas as emoções e frustrações desses adolescentes. “Quando o emocional é mais trabalhado do que o racional, a pessoa tende a responder melhor, pois os sentimentos são as principais diretrizes do homem. E na Febem, os garotos foram totalmente privados de se expressar”, enfatizou.

O jovem C.H.T, 17 anos, confirma. "Lá a gente apanhava por tudo e de todos. Apanhava de madeira, de ferro, do que tivesse na mão. E se falasse, chorasse ou reclamasse, apanhava mais ainda", relembrou.

Os pais dos 18 meninos recuperados afirmam perceber grandes mudanças em seus filhos. Conforme Fábio, o relato é sempre o depoimento sobre a transformação do agressivo para o carinhoso, do revoltado para o compreensível e do reservado para o comunicativo. “Mas o mais gratificante de tudo isso é que todos eles voltaram a estudar, trabalhar e, o melhor, a ter sonhos”, orgulhou-se o idealizador do projeto.

“Agora eu tenho sonhos. Quero ser jogador de futebol. Mas se não der, quero conseguir, pelo menos, sustentar a minha família. Se isso for possível, já me considerarei uma pessoa feliz”, disse D.C.O., 16 anos.

Graças à canalização da agressividade, três dos adolescentes que participaram do Futebol Libertário apresentam, este mês, suas pinturas e grafites em uma exposição na Suíça. As obras, que retratam a sensibilidade e a esperança, foram desenvolvidas paralelamente em programas artísticos do Cedeca.

Para Fábio, seu projeto é a busca de uma forma alternativa de recuperar jovens infratores e, apesar de ter concluído uma fase experimental, ele acredita que pode servir de exemplo para a Febem. "A atual política pedagógica da instituição é a contenção, que inclui a tutela e a agressão. Tudo o que os meninos não precisam", enfatizou.

O projeto foi realizado com o apoio total da iniciativa privada. No momento, Fábio espera patrocínio para formar novos grupos e dar continuidade ao Futebol Libertário.

 
 
 

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