Folha de S.Paulo Moda
* número 19 * ano 5 * terça-feira, 31 de outubro de 2006
Folha Online
 
Texto anterior | Índice | Próximo texto

moda / entrevista

Surrealismo fashion

Flowerbomb é uma celebração e reflete nosso desejo de transformar o negativo em positivo

por Camila Yahn

Os estilistas holandeses Rolf Snoeren e Viktor Horsting

Os estilistas holandeses Rolf Snoeren e Viktor Horsting

Os estilistas holandeses Viktor Horsting e Rolf Snoeren adoram criar surpresas, seja nas coleções, seja nas passarelas. Com invenções muito livres e ousadas, suas roupas se mantêm no topo da vanguarda da moda há mais de dez anos, desde que eles criaram a grife Viktor & Rolf.

Nos desfiles, o impacto não é menor. Neste mês, em Paris, no lançamento da coleção da primavera-verão 2007 e do perfume masculino "Antidote", eles chamaram o cantor Rufus Wainright para cantar clássicos da canção americana e recriaram o clima dos "dancing halls" na passarela. Ao final, duplas masculinas surgiram dançando bem juntinhas, como numa de cena de "Victor ou Vitória".

Na hora de agradecer, os dois aparecem na passarela usando ternos idênticos, confundindo o público e a crítica, que já tem dificuldade de decorar quem é um, quem é outro.

"Para nós, a moda é um antídoto à realidade", dizem Viktor e Rolf, que responderam em uníssono às perguntas da Folha na entrevista a seguir.

O que vocês pensam da decisão da semana de moda de Madri de banir as modelos muito magras?

É uma solução muito simplista, sobretudo porque reduz a essência das modelos ao seu peso. Nós, por exemplo, as escolhemos por seu carisma e sua beleza, não por seu peso. É também simplista a maneira como o assunto foi discutido na imprensa, como se se devesse culpar alguém. A questão é muito mais complexa. É a sociedade ocidental como um todo que deveria ser responsabilizada pelos distúrbios alimentares que atingem as mulheres e também os homens.

Como entender a moda hoje?

Crescemos nos subúrbios em um país onde a moda não existe, a Holanda. Quando olhávamos revistas de moda internacionais, fantasiávamos sobre um mundo onde a moda era uma escapada da realidade. Ainda é! Para nós a moda é sempre um sonho.

Vocês começaram na alta-costura em Paris. Como ela é percebida atualmente?

Fizemos o caminho inverso do que seria considerado normal para um estilista. Começamos na alta-costura e hoje estamos no prêt-à-porter. Este início foi importante porque acreditávamos que na couture poderíamos desenvolver uma assinatura de estilo e conseguir repercussão para nossas visões de moda. Ainda desenhamos couture, mas são peças compradas por colecionadores e fotografadas pela imprensa. Na verdade a posição que a roupa de designer ocupa hoje é a que a couture costumava ter.

Qual é o ponto de partida na criação de uma coleção?

Apesar de nossa inspirações virem de nossas vidas pessoais, nós obviamente apreciamos as artes. Recentemente desenhamos figurinos para um balé de Robert Wilson e da Nederlands Dans Theater. Tudo no mundo nos inspira. As coleções são uma mistura do que lemos e do que vemos. Tentamos nos inspirar com a fantasia. Estamos baseados em Amsterdã e isso nos dá uma certa liberdade. Não estamos "envelopados" em moda o tempo todo, conseguimos olhar a moda com uma certa distância. Quando você se familiariza com nosso trabalho, percebe que somos inspirados por mulheres como a atriz Tilda Swinton e a cantora Tori Amos. Elas viveram suas vidas ao máximo, sem medo.

Ao trabalhar juntos, vocês têm pontos de vista diferentes?

Trabalhar juntos é muito natural para nós, é o que nos deixa mais fortes. Mesmo sendo duas pessoas, nós raramente discutimos. Nós nos conhecemos na Escola de Artes em Arnheim. Depois da graduação, começamos a trabalhar juntos. Acreditamos que somos capazes de prosseguir porque discutimos de forma produtiva. Nossa parceria é a mágica de Viktor & Rolf.

Vocês sempre usam as mesmas roupas? Faz parte de um marketing profissional?

Fazemos tudo juntos, sem nenhuma divisão do trabalho. Não precisamos falar para saber o que o outro está pensando. … por isso que brincamos com o conceito de sermos parecidos _as pessoas não sabem quem é Viktor, quem é Rolf. … nossa forma de comunicar que o trabalho tem uma só entidade.

Chegaram a pensar que um dia estariam no topo da pirâmide fashion?

Começamos nossa carreira como artistas, em uma exposição no Museu de Arte Moderna de Paris, em 1993. Mas não nos sentíamos mais à vontade, pois nos percebíamos mais como estilistas. Por isso fomos para a alta-costura. Perseguimos também o sonho de entrar no mundo da beleza. A moda é sonho, e a fragrância é o sonho em um frasco.

Vocês colecionam arte? Quais são os seus artistas favoritos?

Seria arrogante citar o nome de um artista apenas. Apreciamos arte moderna e clássica. Colecionamos arte, mas não necessariamente em grande escala. A última peça que compramos foi do artista britianico Grayson Perry (vencedor do Turner Prize em 2003).

Vindos da alta-costura, como foi desenvolver uma coleção para uma loja "fast fashion", como a sueca H&M?

Se alta-costura é a forma mais sublime da moda, H&M é a moda em sua forma mais democrática. Nós também adoramos brincar com os opostos: transformação é um elemento-chave em nossa assinatura de estilo. Para nós, a moda é um antÌdoto à realidade. … uma grande oportunidade comunicar nossa visão para uma audiência maior.

O frasco do perfume Flowerbomb tem forma de granada. Qual foi a intenção por trás dessa bomba fashion?

O frasco é uma granada de diamante, um símbolo de poder, mas também de pureza, romance, beleza e raridade. O elemento mais importante foi o nome, Flowerbomb, uma palavra que inventamos logo no início, quando pensávamos no conceito da fragriancia. Queríamos passar a idéia de uma explosão de milhares de flores diferentes. O resultado final é uma celebração do positivo e reflete nossa crença de que todo indivÌduo tem o poder de transformar coisas ruins em boas.

Vocês acham que falta mais otimismo na moda?

Certamente não somos as pessoas mais positivas do planeta. Somos melancólicos e nosso trabalho é o que nos dá forças para sermos positivos e sobreviver.

Veja a galeria
Texto anterior | Índice | Próximo texto
 

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).