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O VIZINHO
País com capacidade nuclear coopera com EUA, mas enfrenta protestos
Paquistão enfrenta dilema
KENNEDY ALENCAR
ENVIADO ESPECIAL A PESHAWAR
O Paquistão está na perigosa situação de país com capacidade
nuclear em um beco sem saída.
De olho na ajuda econômica e
na respeitabilidade externa, o presidente do país, o general Pervez
Musharraf, assumiu o risco de colaborar com os Estados Unidos e
enfrenta forte discordância da população de maioria islâmica, especialmente protestos dos grupos
religiosos mais extremistas.
Uma eventual desestabilização
política do Paquistão poderá ser
mais danosa para a segurança da
região do que a crise Estados Unidos-Afeganistão.
Se houver um ataque ao Afeganistão, o efeito poderá ser a união
de islâmicos paquistaneses moderados e radicais contra o governo.
Golpes de Estado são comuns
no Paquistão. O próprio Musharraf, chefe do Exército, tomou o
governo à força em outubro de
1999. Apesar do risco, Musharraf
avalia não ter opção senão ajudar
os Estados Unidos a preparar um
eventual ataque ao Afeganistão,
sob pena de aumentar o isolamento político do Paquistão em
relação ao Ocidente e acirrar a crise econômica permanente de sua
administração.
Já há fuga de divisas do país.
Grandes empresas estão comprando dólar, forçando a alta da
moeda em relação à rúpia paquistanesa. No mercado negro, um
dólar compra 66 rúpias.
Diante da boa vontade demonstrada por Musharraf para ajudar
os Estados Unidos, o FMI (Fundo
Monetário Internacional) prepara uma pacote especial de US$ 2,5
bilhões para o Paquistão. Os termos desse pacote devem ser mais
frouxos do que os tradicionalmente impostos pelo FMI, por
exemplo, à América Latina.
O argumento de Musharraf para cooperar com os EUA é que o
Paquistão, por ser o país com melhores relações com o regime do
Taleban, paga o preço internacional de ser suspeito de acobertar
terroristas. Os Emirados Árabes
Unidos decidiram cortar relações
com o Afeganistão ontem. Só a
Arábia Saudita e o Paquistão
mantêm relações diplomáticas
agora com o regime do Taleban.
Detalhe: o Taleban nasceu em
"madrassas" (escolas) fundamentalistas no Paquistão, no começo
da década de 90. Ou seja, ou o Paquistão condena os principais
suspeitos do ataque ou assume
um conflito aberto com os Estados Unidos e a Europa, que o consideraria um cúmplice indireto do
terrorismo.
Por aceitar a instalação de bases
navais e aéreas em território paquistanês e liberdade de ação do
serviço de inteligência americano
no país, o governo deverá obter o
pacote do FMI e a suspensão de
sanções econômicas dos Estados
Unidos, impostas em represália
aos testes nucleares de dois anos
atrás, em meio à corrida armamentista com a vizinha Índia.
Com a Índia -de cujo território ele foi uma cisão como Estado
predominantemente islâmico,
após o fim do domínio colonial
britânico-, o Paquistão tem o
contencioso territorial da Caxemira.
Em razão de sua colaboração
com os Estados Unidos, Musharraf colheu os maiores protestos já
feitos contra o seu governo, uma
ditadura que tinha expressivo
apoio popular pelo menos até o
começo da crise EUA-Afeganistão. Anteontem, quatro pessoas
morreram em Karachi, num ato
que reuniu milhares. O mesmo
aconteceu em outras cidades, como Lahore, no leste do país, e Peshawar, próxima da fronteira com
o Afeganistão.
Ontem de manhã, houve um
novo protesto em Peshawar, com
cerca de 5.000 pessoas em passeata pelo centro da cidade. Estão
programadas mais manifestações
para hoje.
Nos atos públicos contra o governo, os paquistaneses alegam
que não há provas de que o Taleban ou o terrorista saudita Osama
bin Laden sejam responsáveis ou
tenham colaborado nos atentados contra Nova York e o Pentágono. Seria incorreto para um islâmico se voltar contra um país da
mesma fé sem provas, dizem.
O temor de Musharraf é que
manifestações assim se tornem
diárias por todo o país e coloquem em xeque a autoridade de
seu governo.
O general Musharraf tem o
apoio do Exército, instituição
mais unida do Paquistão e responsável por governar o país em
27 dos últimos 54 anos. O sistema
político do Paquistão é confuso,
cheio de partidos castrados pela
ditadura.
Combustível
Mas a rejeição à colaboração
com os Estados Unidos pode ser o
combustível que faltava para fortalecer os grupos religiosos mais
radicais e unir partidos islâmicos
em divergência.
Em reação aos protestos, o presidente paquistanês se reuniu ontem com assessores militares para
preparar medidas que aumentem
ainda mais o alto grau de militarização do Paquistão.
Soldados com metralhadoras a
tiracolo participam do policiamento de ruas e segurança interna e externa de aeroportos. O
Exército procura se fazer onipresente em todo o país.
Musharraf também tem procurado políticos, empresários e editores de jornais, TVs e rádios para
justificar a cooperação com os
EUA e sondar a viabilidade de
uma concessão arriscada -permitir que tropas americanas
usem o território paquistanês para uma eventual campanha terrestre contra o Afeganistão, ainda
que essa possibilidade hoje seja
mais uma forma de ameaça ao
Taleban do que uma ação provável de Washington.
Permitir a entrada de tropas
americanas no país seria o teste
mais importante para Musharraf
saber se terá controle da situação
e se manterá o Exército paquistanês unido em torno de si.
Se der errado, pode jogar o governo de um país com arma nuclear nas mãos de radicais islâmicos, que terão muito mais poder
de fogo do que as armas dos guerrilheiros do Taleban.
É o que o Ocidente teme.
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