São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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O VIZINHO
País com capacidade nuclear coopera com EUA, mas enfrenta protestos

Paquistão enfrenta dilema

KENNEDY ALENCAR
ENVIADO ESPECIAL A PESHAWAR

O Paquistão está na perigosa situação de país com capacidade nuclear em um beco sem saída.
De olho na ajuda econômica e na respeitabilidade externa, o presidente do país, o general Pervez Musharraf, assumiu o risco de colaborar com os Estados Unidos e enfrenta forte discordância da população de maioria islâmica, especialmente protestos dos grupos religiosos mais extremistas.
Uma eventual desestabilização política do Paquistão poderá ser mais danosa para a segurança da região do que a crise Estados Unidos-Afeganistão.
Se houver um ataque ao Afeganistão, o efeito poderá ser a união de islâmicos paquistaneses moderados e radicais contra o governo.
Golpes de Estado são comuns no Paquistão. O próprio Musharraf, chefe do Exército, tomou o governo à força em outubro de 1999. Apesar do risco, Musharraf avalia não ter opção senão ajudar os Estados Unidos a preparar um eventual ataque ao Afeganistão, sob pena de aumentar o isolamento político do Paquistão em relação ao Ocidente e acirrar a crise econômica permanente de sua administração.
Já há fuga de divisas do país. Grandes empresas estão comprando dólar, forçando a alta da moeda em relação à rúpia paquistanesa. No mercado negro, um dólar compra 66 rúpias.
Diante da boa vontade demonstrada por Musharraf para ajudar os Estados Unidos, o FMI (Fundo Monetário Internacional) prepara uma pacote especial de US$ 2,5 bilhões para o Paquistão. Os termos desse pacote devem ser mais frouxos do que os tradicionalmente impostos pelo FMI, por exemplo, à América Latina.
O argumento de Musharraf para cooperar com os EUA é que o Paquistão, por ser o país com melhores relações com o regime do Taleban, paga o preço internacional de ser suspeito de acobertar terroristas. Os Emirados Árabes Unidos decidiram cortar relações com o Afeganistão ontem. Só a Arábia Saudita e o Paquistão mantêm relações diplomáticas agora com o regime do Taleban.
Detalhe: o Taleban nasceu em "madrassas" (escolas) fundamentalistas no Paquistão, no começo da década de 90. Ou seja, ou o Paquistão condena os principais suspeitos do ataque ou assume um conflito aberto com os Estados Unidos e a Europa, que o consideraria um cúmplice indireto do terrorismo.
Por aceitar a instalação de bases navais e aéreas em território paquistanês e liberdade de ação do serviço de inteligência americano no país, o governo deverá obter o pacote do FMI e a suspensão de sanções econômicas dos Estados Unidos, impostas em represália aos testes nucleares de dois anos atrás, em meio à corrida armamentista com a vizinha Índia.
Com a Índia -de cujo território ele foi uma cisão como Estado predominantemente islâmico, após o fim do domínio colonial britânico-, o Paquistão tem o contencioso territorial da Caxemira.
Em razão de sua colaboração com os Estados Unidos, Musharraf colheu os maiores protestos já feitos contra o seu governo, uma ditadura que tinha expressivo apoio popular pelo menos até o começo da crise EUA-Afeganistão. Anteontem, quatro pessoas morreram em Karachi, num ato que reuniu milhares. O mesmo aconteceu em outras cidades, como Lahore, no leste do país, e Peshawar, próxima da fronteira com o Afeganistão.
Ontem de manhã, houve um novo protesto em Peshawar, com cerca de 5.000 pessoas em passeata pelo centro da cidade. Estão programadas mais manifestações para hoje.
Nos atos públicos contra o governo, os paquistaneses alegam que não há provas de que o Taleban ou o terrorista saudita Osama bin Laden sejam responsáveis ou tenham colaborado nos atentados contra Nova York e o Pentágono. Seria incorreto para um islâmico se voltar contra um país da mesma fé sem provas, dizem.
O temor de Musharraf é que manifestações assim se tornem diárias por todo o país e coloquem em xeque a autoridade de seu governo.
O general Musharraf tem o apoio do Exército, instituição mais unida do Paquistão e responsável por governar o país em 27 dos últimos 54 anos. O sistema político do Paquistão é confuso, cheio de partidos castrados pela ditadura.

Combustível
Mas a rejeição à colaboração com os Estados Unidos pode ser o combustível que faltava para fortalecer os grupos religiosos mais radicais e unir partidos islâmicos em divergência.
Em reação aos protestos, o presidente paquistanês se reuniu ontem com assessores militares para preparar medidas que aumentem ainda mais o alto grau de militarização do Paquistão.
Soldados com metralhadoras a tiracolo participam do policiamento de ruas e segurança interna e externa de aeroportos. O Exército procura se fazer onipresente em todo o país.
Musharraf também tem procurado políticos, empresários e editores de jornais, TVs e rádios para justificar a cooperação com os EUA e sondar a viabilidade de uma concessão arriscada -permitir que tropas americanas usem o território paquistanês para uma eventual campanha terrestre contra o Afeganistão, ainda que essa possibilidade hoje seja mais uma forma de ameaça ao Taleban do que uma ação provável de Washington.
Permitir a entrada de tropas americanas no país seria o teste mais importante para Musharraf saber se terá controle da situação e se manterá o Exército paquistanês unido em torno de si.
Se der errado, pode jogar o governo de um país com arma nuclear nas mãos de radicais islâmicos, que terão muito mais poder de fogo do que as armas dos guerrilheiros do Taleban.
É o que o Ocidente teme.


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