São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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Tariq Ali teme crescente onda terrorista no Paquistão

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Para o escritor paquistanês Tariq Ali, a indiferença dos líderes do mundo árabe é a responsável pelo fato de o terrorismo surgir como uma alternativa.
O autor, que vive em Londres, mas tem família e amigos no Paquistão, diz estar com medo de que o apoio de seu país aos EUA possa desencadear uma grande onda de terrorismo na região.
Ali trabalha há anos na obra "Quinteto Islâmico", uma série de romances que abordam as diferenças culturais e as relações entre o Oriente e o Ocidente. No Brasil, os livros são editados pela Record.
O primeiro volume é "Sombras da Romãzeira", que se passa em Granada (Espanha), na época da Reconquista cristã. O segundo é "O Livro de Saladino", que aborda o período das cruzadas, durante a Idade Média, mas enfatiza o ponto de vista muçulmano.
O terceiro título da série, "A Mulher de Pedra", cujo enredo tem lugar na Turquia durante a decadência do Império Otomano, no século 19, será lançado no Brasil em janeiro do ano que vem.
O autor estará presente na ocasião, em viagem que passará pelo Rio, SP e por Porto Alegre, durante o Fórum Mundial Social.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Tariq Ali concedeu à Folha.

Folha - Como o sr. crê que a população do Paquistão reagirá em relação ao apoio do país aos EUA, no caso de um conflito contra o Afeganistão? Acha que os paquistaneses islâmicos se identificam mais com a "guerra santa" do Taleban?
Tariq Ali -
O fundamentalismo islâmico nunca foi popular no Paquistão. Em eleições, os fundamentalistas sempre tiveram poucos votos. Foi o Estado militar que promoveu e criou esses grupos, com o apoio norte-americano, para combater a União Soviética, no Afeganistão e na Ásia Central. Ainda assim, acredito que muito pouca gente no Paquistão gostaria de ter tropas estrangeiras promovendo a guerra em nosso solo.

Folha - Por que o governo paquistanês reconhece a autoridade do Taleban no Afeganistão?
Ali -
Eles os apóiam basicamente porque são sua criação. É a a única vitória do Exército paquistanês em sua história inteira. A Arábia Saudita, que é apresentada de forma errada pela imprensa ocidental como um país moderado, também patrocinou esses grupos.

Folha - O sr. acredita que um conflito poderia mudar o destino do governo do general Musharraf?
Ali -
Sem dúvida. Musharraf é apoiado por generais religiosos, e possivelmente 30% ou 40% do Exército é simpático ao Taleban. Se Musharraf apoiar a guerra, ele não irá durar muito, e o Paquistão certamente experimentará o terrorismo em larga escala.

Folha - Como os paquistaneses convivem com os refugiados?
Ali -
O Paquistão já estava cheio de refugiados afegãos antes dessa crise, por causa das guerras civis do passado. Existe ressentimento e tensão, mas na fronteira noroeste existem muitos que vêem os afegãos que falam "pashtu" como irmãos, pois esta é também a língua daquela província. No passado, não havia uma fronteira real entre os dois países e as pessoas da região costumavam atravessar e voltar quando queriam.

Folha - O sr. acredita que os atentados nos EUA têm relação direta com o processo de isolamento do país? Poderia ser comparado aos movimentos antiglobalização?
Ali -
Desde o colapso da União Soviética, o bloco capitalista parou de se preocupar com as populações pobres no resto do mundo, porque não existe mais competição ideológica. A globalização apenas agrava esse problema.
Isso cria um vácuo político, pois a democracia passa a parecer irrelevante para as pessoas, tanto nos países ricos como nos pobres, o que é desesperante.
Entre as causas do ódio de uma parte do mundo islâmico estão a questão da Palestina e as campanhas e sanções contra o Iraque. Como os líderes do mundo árabe são indiferentes, muitos jovens vêem a saída no terrorismo. Por isso, a solução do problema do terrorismo tem de ser política e econômica, e não militar.

Folha - Qual é sua opinião sobre o aumento do preconceito e os ataques contra os muçulmanos depois dos atentados nos EUA?
Ali -
O discurso de caubói de Bush pedindo Bin Laden "vivo ou morto" insufla as pessoas a atacarem os árabes americanos e os sul-asiáticos na América. A histeria oficial alimenta a reação violenta da população.

Folha - O sr. vive em Londres. Percebeu alguma mudança nesse sentido na Inglaterra?
Ali -
Na Europa, a situação ainda não é tão grave, mas uma guerra daria sinal verde aos fascistas que focam os imigrantes no Ocidente há anos. Em Londres, sinto que o ambiente tem sido mais hostil com a imensa comunidade paquistanesa da Inglaterra.

Folha - O sr. tem parentes no Paquistão? Está preocupado?
Ali -
Estou, muito. Meus amigos e toda a minha família vivem lá, inclusive minha mãe, que é idosa. Sinto-me muito mal.



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