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ORIENTE MÉDIO
Nas ruas da capital, população compartilha a defesa de princípios
religiosos e críticas à política dos Estados Unidos para a região
Egípcio rejeita terror, mas demonstra ressentimento
PAULA SCHMITT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, NO CAIRO
No trânsito caótico do
Cairo, enquanto se
desvia dos outros carros e da "mão de Fátima", amuleto que balança no espelho, o taxista Mohammed Sherif, 35, afirma que quem atacou o
World Trade Center não é muçulmano: "Matar é pecado". Para ele,
ao cometer assassinato, os muçulmanos estão matando a religião.
"Osama bin Laden não é muçulmano. Ele não é nada."
Como aconteceu com Sherif, a
primeira reação de muitos egípcios, entrevistados semana passada, foi rejeitar vínculo entre os
atentados nos EUA e os preceitos
do islamismo. A maioria diz não
acreditar que árabes tenham executado os ataques e mostra ressentimento em relação aos EUA.
Tarek, motorista de 22 anos que
não quis revelar o sobrenome,
ama os EUA. Com camiseta da
Harley Davidson, um bicho de
pelúcia da Warner Brothers no
espelho e um "I love you" no vidro, Tarek acha uma tragédia o
que aconteceu, mas conta que os
culpados são "os judeus".
Khaled Abd al Karim, 36, dono
de um café com acesso à internet,
diz que matar está errado em
qualquer circunstância: "Quem
matou não é muçulmano". "Os
EUA fazem tudo no mundo. Talvez tenham sido eles mesmos."
Na Universidade do Cairo, reduto de facções mais radicais do
islamismo e da oposição ao governo local e aos EUA, muitos justificam os ataques. "Estou feliz",
diz Rihab, 20 anos, estudante de
comércio. "Isso acontece todos os
dias em Israel. Até certo ponto os
EUA merecem o que aconteceu."
Para Johnny, 25, libanês que estuda engenharia, o problema é o
apoio americano a Israel: "Foi
uma reação, talvez dos árabes, talvez mais do Oriente. Já são 50
anos de guerra entre árabes e israelenses, e sempre os EUA e a Inglaterra apoiaram Israel. O tal ataque foi na verdade uma defesa".
Mesmo entre árabes-americanos, o desgosto com os EUA é patente. "Se tivessem atacado só o
Capitólio, o Pentágono e a Casa
Branca, estaria certo. Mas um
prédio com pessoas inocentes!",
diz "Legit", 25, administrador de
empresas. Sobre seu passaporte
americano, ele diz: "Se você não
pode destruí-los, junte-se a eles".
Na Universidade Americana do
Cairo, os estudantes de dupla nacionalidade estão preocupados.
Dina Mahmoud, 19, que viveu nos
EUA e estuda comunicação, acredita que não foi Bin Laden quem
planejou o ataque. "Se fosse, ele
teria assumido a culpa."
Seu colega Ahmed Wassef, 18,
estudando ciências da computação, concorda. "Bin Laden é um
maluco, mas, que eu saiba, não é
covarde. Ele assumiu a autoria de
um atentado na Arábia e acho que
faria o mesmo agora."
Para ele, o Egito está num impasse: "Temos boa relação com os
EUA, mas somos um país muçulmano. Se algo mais sério ocorrer,
teremos que tomar partido".
Dina não acredita que um egípcio tenha pilotado o avião contra
o WTC. "Ser capaz de pilotar um
avião e deixar todas provas no
carro que alugou? Nós podemos
ser burros, mas não tanto."
Dina não tem idéia dos autores
dos atentados, mas espera parcimônia no julgamento: "Quando o
prédio em Oklahoma explodiu,
culparam os árabes. Depois, descobriram que foi um americano".
Rania Hassa, de Connecticut,
conta que seu pai não vai mais à
mesquita, com medo de ser atacado. Ela lamenta a expressão "terrorista islâmico": "Duas palavras
que não deveriam estar juntas,
são completamente diferentes".
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