São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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ORIENTE MÉDIO
Nas ruas da capital, população compartilha a defesa de princípios religiosos e críticas à política dos Estados Unidos para a região

Egípcio rejeita terror, mas demonstra ressentimento

PAULA SCHMITT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, NO CAIRO

No trânsito caótico do Cairo, enquanto se desvia dos outros carros e da "mão de Fátima", amuleto que balança no espelho, o taxista Mohammed Sherif, 35, afirma que quem atacou o World Trade Center não é muçulmano: "Matar é pecado". Para ele, ao cometer assassinato, os muçulmanos estão matando a religião. "Osama bin Laden não é muçulmano. Ele não é nada."
Como aconteceu com Sherif, a primeira reação de muitos egípcios, entrevistados semana passada, foi rejeitar vínculo entre os atentados nos EUA e os preceitos do islamismo. A maioria diz não acreditar que árabes tenham executado os ataques e mostra ressentimento em relação aos EUA.
Tarek, motorista de 22 anos que não quis revelar o sobrenome, ama os EUA. Com camiseta da Harley Davidson, um bicho de pelúcia da Warner Brothers no espelho e um "I love you" no vidro, Tarek acha uma tragédia o que aconteceu, mas conta que os culpados são "os judeus".
Khaled Abd al Karim, 36, dono de um café com acesso à internet, diz que matar está errado em qualquer circunstância: "Quem matou não é muçulmano". "Os EUA fazem tudo no mundo. Talvez tenham sido eles mesmos."
Na Universidade do Cairo, reduto de facções mais radicais do islamismo e da oposição ao governo local e aos EUA, muitos justificam os ataques. "Estou feliz", diz Rihab, 20 anos, estudante de comércio. "Isso acontece todos os dias em Israel. Até certo ponto os EUA merecem o que aconteceu."
Para Johnny, 25, libanês que estuda engenharia, o problema é o apoio americano a Israel: "Foi uma reação, talvez dos árabes, talvez mais do Oriente. Já são 50 anos de guerra entre árabes e israelenses, e sempre os EUA e a Inglaterra apoiaram Israel. O tal ataque foi na verdade uma defesa".
Mesmo entre árabes-americanos, o desgosto com os EUA é patente. "Se tivessem atacado só o Capitólio, o Pentágono e a Casa Branca, estaria certo. Mas um prédio com pessoas inocentes!", diz "Legit", 25, administrador de empresas. Sobre seu passaporte americano, ele diz: "Se você não pode destruí-los, junte-se a eles".
Na Universidade Americana do Cairo, os estudantes de dupla nacionalidade estão preocupados. Dina Mahmoud, 19, que viveu nos EUA e estuda comunicação, acredita que não foi Bin Laden quem planejou o ataque. "Se fosse, ele teria assumido a culpa."
Seu colega Ahmed Wassef, 18, estudando ciências da computação, concorda. "Bin Laden é um maluco, mas, que eu saiba, não é covarde. Ele assumiu a autoria de um atentado na Arábia e acho que faria o mesmo agora."
Para ele, o Egito está num impasse: "Temos boa relação com os EUA, mas somos um país muçulmano. Se algo mais sério ocorrer, teremos que tomar partido".
Dina não acredita que um egípcio tenha pilotado o avião contra o WTC. "Ser capaz de pilotar um avião e deixar todas provas no carro que alugou? Nós podemos ser burros, mas não tanto."
Dina não tem idéia dos autores dos atentados, mas espera parcimônia no julgamento: "Quando o prédio em Oklahoma explodiu, culparam os árabes. Depois, descobriram que foi um americano".
Rania Hassa, de Connecticut, conta que seu pai não vai mais à mesquita, com medo de ser atacado. Ela lamenta a expressão "terrorista islâmico": "Duas palavras que não deveriam estar juntas, são completamente diferentes".


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