São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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Para feminista, véu representa ícone da exploração


Osama bin Laden é um produto dos EUA que se revoltou contra o país, diz escritora


DA REDAÇÃO

O véu "faz da mulher um ser marginal e resignado" e demonstra a suposta submissão imposta a muçulmanas, na opinião da escritora egípcia Aafaf Assaid, 38, autora de livros como "Assdqan Arrafiaah lilkzb" (As pernas finas da mentira), "Saradib" (labirintos) e "Provat" (ensaios), entre outros.
A seguir, trechos da entrevista que Aafaf concedeu do Cairo. (PAULO DANIEL FARAH)

Folha - Como os intelectuais egípcios reagiram aos atentados na Costa Leste dos EUA?
Aafaf Assaid
- O sentimento aqui não difere do que se verificou no mundo inteiro. Como qualquer ser humano de bom senso, condenamos a morte de civis. Os intelectuais egípcios exortaram a uma reflexão e à condenação do terrorismo contra civis, apesar das divergências muito fortes com os Estados Unidos e com sua interpretação de terrorismo.
Escritores e ONGs condenaram qualquer tipo de terrorismo, incluindo o norte-americano, que muitas pessoas consideram responsável pelo que aconteceu em Nova York e nos arredores de Washington. A principal fábrica de terrorismo do mundo, segundo alguns analistas, são os EUA. Osama bin Laden é um produto norte-americano que se revoltou contra o país. Os EUA também fabricaram a principal máquina terrorista do mundo: Israel.

Folha - Que tipo de medida a sra. acha que os EUA vão tomar?
Assaid
- O que posso dizer é que, evidentemente, tenho medo do que vai acontecer ao Afeganistão e de uma eventual vitória do terrorismo organizado, que se esconde debaixo das asas do direito internacional. O que os EUA promovem não é uma guerra, como dizem, pois a maior parte dos afegãos não têm armas.

Folha - Qual a situação das mulheres no Egito e em países do Oriente Médio?
Assaid
- Ainda há muito o que melhorar, mas houve alguns avanços nos últimos anos.
Incomoda-me a utilização do discurso religioso para tentar justificar algumas práticas. O sistema do casamento vigente e a necessidade de obediência cega são lamentáveis, contrários ao humanismo. Já há leis que responderam à voz das ruas, como a que permite à mulher, quando se divorcia, exigir do marido o dote e os presentes, a fim de obter sua liberdade sem restrições.

Folha - Qual sua opinião sobre o uso do véu?
Assaid
- A questão é complexa do ponto de vista teológico. Diversos religiosos consideram o véu uma forma de proteger a mulher dos males da sociedade. Muitas jovens o usam simplesmente para preservar as aparências. Outras o fazem porque a família considera a menina uma bomba-relógio que deve ser controlada para não explodir sua sexualidade. O véu, nesse caso, serve para esconder a obviedade de que se trata de uma mulher.

Folha - A sra. costumava usar véu alguns anos atrás, não?
Assaid
- De fato. Eu já passei por essa experiência. Costumava usar o "niqab", que cobria todo o meu corpo e todo o rosto. Mas o "niqab" não cobriu meus pensamentos nem minha consciência. Nenhum tipo de cobertura foi capaz de obscurecer ou anular o vulcão da vida em minha mente e em minha alma. Se observarmos a filosofia do véu, vamos compreender que ele é uma arma arriscada para o corpo. Talvez seja, como dizem, um símbolo da submissão intelectual e corporal que apenas a mulher tem de assumir. O véu é uma idéia machista que favorece a sociedade beduína e faz da mulher um ser marginal e resignado.
Em minha opinião, o véu não simboliza uma resistência cultural, como muitos dizem, mas é um ícone da exploração e da posse impostas ao corpo feminino, considerado pelos beduínos sua honra e seu território.
O véu invadiu a sociedade do Egito, berço da civilização onde a mulher tinha liberdade completa e participava socialmente em pé de igualdade com o homem. A mulher egípcia era sagrada.

Folha - Como a sra. vê as críticas e a possível punição à feminista egípcia Nawal al Saadaui, que disse que a peregrinação a Meca foi herdada do paganismo?
Assaid
- Com muita preocupação. Estamos promovendo uma campanha para ajudá-la.

Folha - Qual sua análise da participação de grupos religiosos na política do Egito?
Assaid
- Movimentos islâmicos possuem pouco menos de 5% das cadeiras do Parlamento, mas são organizados e influentes. Oferecem serviços sociais e médicos.


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