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Entre as riquezas do passado e as incertezas do presente
FRANK USARKI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Tradição e modernidade
disputam palmo a palmo
os meandros do islã,
uma das religiões menos
compreendida pelos olhos apressados do Ocidente. Para seus
adeptos, entretanto, o "progresso", pelo menos o econômico,
tem vantagens somente para poucos, ressalta Peter Antes, 59, professor de ciência da religião na
Universidade de Hannover, um
dos maiores conhecedores do islamismo na Alemanha e presidente da Associação Internacional para a História das Religiões.
Doutor em teologia católica e
em filosofia pela Universidade de
Freiburg, ele pesquisa os problemas atuais da ética islâmica, religiões e comunidades religiosas na
Europa contemporânea.
Leia os principais pontos da entrevista de Antes à Folha.
Divisões do islã
A divisão mais visível, no mundo
islâmico, é entre os sunitas [85%"
e os xiitas [15%". Mas a situação
não se restringe a isso. Dentro
dos sunitas se desenvolveram diversas escolas jurídicas, que impuseram diferentes interpretações da religião. Por exemplo, os
hanbalitas, que exercem autoridade na Arábia Saudita, são considerados conservadores, enquanto os shafiitas, fortes no
Egito, representam uma das linhas mais liberais do islã.
Além disso, há outra divisão
principal: entre o islã da sharia
[lei islâmica] e o islã místico, ou
seja, o sufismo. O primeiro é caracterizado por regras de conduta de acordo com a ordem divina. A corrente mística dá mais
valor à experiência religiosa.
Existem ainda novos grupos que
se formaram em reação à modernidade. Há, como pólos extremos, adaptação total e rejeição
total, mas, na prática, a maioria
dos grupos recentes defende posições intermediárias.
Tensões internas
No momento, o tema predominante é a identidade islâmica,
incluindo a questão: qual foi, no
passado, o islã que deve ser restaurado ou preservado atualmente? Para muitos a resposta é
clara: é o islã da sharia ou seja, o
islã numa época em que as escolas jurídicas já tinham sido estabelecidas e respondiam sistematicamente a todas as perguntas
que passaram a surgir a partir
de então.
Seu ponto de referência é uma
fase histórica do islã que começou cerca de 200 anos depois da
morte do profeta e que tem influenciado grande parte do
mundo islâmico, tanto na sua legislação quanto na vida cotidiana do povo.
Outros grupos, por exemplo os
ismaelitas, sob a liderança de
Agha Khan, destacam a necessidade de distinguir no Alcorão os
conteúdos que são eternamente
válidos daqueles temporalmente condicionados.
Jihad
A guerra contra Israel ou a Guerra do Golfo contra os americanos foram chamadas jihad, o
que implica a idéia de que cada
muçulmano que morre em combate é um mártir e entra automaticamente no paraíso. Mas
representantes oficiais da teologia e da jurisdição islâmica sempre se articularam de um jeito
muito mais cauteloso. Quanto a
ações terroristas, a situação é
ainda mais clara: do ponto de
vista "ortodoxo", não é adequado legitimá-las como jihad.
Fundamentalismo
Originalmente, o termo fundamentalismo foi cunhado para
designar certas manifestações
no protestantismo americano.
No fim dos anos 70, foi transferido para a Revolução Islâmica no
Irã e depois também para outros
grupos extremistas, por exemplo, na Argélia ou no Egito. Finalmente, o termo se impôs como
nome genérico para todos os
grupos extremistas em todas as
religiões.
O termo é popular porque sua
generalidade serve para reduzir
a complexidade ao reunir grupos diferentes sob a mesma categoria. Assim, o termo impede
uma percepção detalhada, mas
aponta para qualquer aspiração
contra a modernização da sociedade, em favor da restauração
de padrões tradicionais da vida e
das estratégias violentas para
realizar suas finalidades.
Perspectivas
Muitos muçulmanos no Oriente
acham que o chamado "progresso" tem vantagens somente para poucos, enquanto a maioria
da população é cada vez mais
marginalizada e os jovens não
têm perspectivas para o futuro.
Antigamente comunismo, marxismo e socialismo criticavam
tais tendências e exigiam mais
justiça social. Hoje, todas essas
ideologias importadas do Ocidente foram deixadas de lado,
uma vez que o capitalismo
triunfou. A força que ganhou
contribuiu para o crescimento
da globalização, sem que as calamidades fossem reparadas.
É nesse contexto que se fortalece
a religião que critica a exclusão e
a marginalização e enfatiza que
a situação atual não corresponde à vontade de Deus e ao sentido da sua criação.
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