São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001


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Entre as riquezas do passado e as incertezas do presente

FRANK USARKI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Tradição e modernidade disputam palmo a palmo os meandros do islã, uma das religiões menos compreendida pelos olhos apressados do Ocidente. Para seus adeptos, entretanto, o "progresso", pelo menos o econômico, tem vantagens somente para poucos, ressalta Peter Antes, 59, professor de ciência da religião na Universidade de Hannover, um dos maiores conhecedores do islamismo na Alemanha e presidente da Associação Internacional para a História das Religiões.
Doutor em teologia católica e em filosofia pela Universidade de Freiburg, ele pesquisa os problemas atuais da ética islâmica, religiões e comunidades religiosas na Europa contemporânea.
Leia os principais pontos da entrevista de Antes à Folha.


Divisões do islã
A divisão mais visível, no mundo islâmico, é entre os sunitas [85%" e os xiitas [15%". Mas a situação não se restringe a isso. Dentro dos sunitas se desenvolveram diversas escolas jurídicas, que impuseram diferentes interpretações da religião. Por exemplo, os hanbalitas, que exercem autoridade na Arábia Saudita, são considerados conservadores, enquanto os shafiitas, fortes no Egito, representam uma das linhas mais liberais do islã.
Além disso, há outra divisão principal: entre o islã da sharia [lei islâmica] e o islã místico, ou seja, o sufismo. O primeiro é caracterizado por regras de conduta de acordo com a ordem divina. A corrente mística dá mais valor à experiência religiosa.
Existem ainda novos grupos que se formaram em reação à modernidade. Há, como pólos extremos, adaptação total e rejeição total, mas, na prática, a maioria dos grupos recentes defende posições intermediárias.

Tensões internas
No momento, o tema predominante é a identidade islâmica, incluindo a questão: qual foi, no passado, o islã que deve ser restaurado ou preservado atualmente? Para muitos a resposta é clara: é o islã da sharia ou seja, o islã numa época em que as escolas jurídicas já tinham sido estabelecidas e respondiam sistematicamente a todas as perguntas que passaram a surgir a partir de então.
Seu ponto de referência é uma fase histórica do islã que começou cerca de 200 anos depois da morte do profeta e que tem influenciado grande parte do mundo islâmico, tanto na sua legislação quanto na vida cotidiana do povo.
Outros grupos, por exemplo os ismaelitas, sob a liderança de Agha Khan, destacam a necessidade de distinguir no Alcorão os conteúdos que são eternamente válidos daqueles temporalmente condicionados.

Jihad
A guerra contra Israel ou a Guerra do Golfo contra os americanos foram chamadas jihad, o que implica a idéia de que cada muçulmano que morre em combate é um mártir e entra automaticamente no paraíso. Mas representantes oficiais da teologia e da jurisdição islâmica sempre se articularam de um jeito muito mais cauteloso. Quanto a ações terroristas, a situação é ainda mais clara: do ponto de vista "ortodoxo", não é adequado legitimá-las como jihad.

Fundamentalismo
Originalmente, o termo fundamentalismo foi cunhado para designar certas manifestações no protestantismo americano. No fim dos anos 70, foi transferido para a Revolução Islâmica no Irã e depois também para outros grupos extremistas, por exemplo, na Argélia ou no Egito. Finalmente, o termo se impôs como nome genérico para todos os grupos extremistas em todas as religiões.
O termo é popular porque sua generalidade serve para reduzir a complexidade ao reunir grupos diferentes sob a mesma categoria. Assim, o termo impede uma percepção detalhada, mas aponta para qualquer aspiração contra a modernização da sociedade, em favor da restauração de padrões tradicionais da vida e das estratégias violentas para realizar suas finalidades.

Perspectivas
Muitos muçulmanos no Oriente acham que o chamado "progresso" tem vantagens somente para poucos, enquanto a maioria da população é cada vez mais marginalizada e os jovens não têm perspectivas para o futuro. Antigamente comunismo, marxismo e socialismo criticavam tais tendências e exigiam mais justiça social. Hoje, todas essas ideologias importadas do Ocidente foram deixadas de lado, uma vez que o capitalismo triunfou. A força que ganhou contribuiu para o crescimento da globalização, sem que as calamidades fossem reparadas.
É nesse contexto que se fortalece a religião que critica a exclusão e a marginalização e enfatiza que a situação atual não corresponde à vontade de Deus e ao sentido da sua criação.


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