Galeria
  Fotos da ficção
Foto: Divulgação
Regina Casé em cena do início do filme "Eu Tu Eles", que entra em cartaz nesta sexta-feira no Brasil
  Entrevistas
  Andrucha Waddington
  Regina Casé
  Marlene Sabóia (a real)
Sou capaz de dizer que faria tudo de novo, sim. Eu tenho
coragem, eu tenho espírito para fazer.

  O que dizem
  Os atores
  Paulo Mota
  Inácio Araujo
CRÍTICA
Filme entroniza desejo feminino
no sertão machista


INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema da Folha de S. Paulo

A boa recepção de "Eu Tu Eles" em Cannes, a perspectiva de ser indicado para o Oscar etc. criaram a expectativa de que este será o grande sucesso brasileiro do ano.

A sorte e o marketing adequado projetaram-no além dos limites usuais (exemplo: uma de suas canções tornou-se sucesso no rádio). Tudo isso torna "Eu Tu Eles" um evento e, dada sua complexidade, mais vale tentar destrinchá-lo em tópicos.

1) De "Gêmeas", seu filme de estréia, para "Eu Tu Eles", a evolução de Andrucha Waddington é visível. Ao trocar o universo diabólico de Nelson Rodrigues por uma trama de costumes, simplifica os elementos com que trabalha -e ganha muito com isso.

2) A história tem empatia imediata com o público -sobretudo o feminino. A trama gira em torno de uma bóia-fria pobre que realiza a proeza de ter três maridos convivendo simultaneamente sob o mesmo teto. O reconhecimento e mesmo a entronização do desejo feminino é, do ponto de vista do roteiro, o grande achado.

3) O roteiro tem o bom senso de tratar com respeito e pudor a situação, evitando a armadilhas do achincalhe e da comédia à italiana (histórias de corno etc.). O que propõem Darlene (Regina Casé) e seus consortes é uma ordem familiar insólita, mas à qual sempre será preciso reagir com um "por que não?".

4) Na direção de atores, Waddington confirma as promessas de "Gêmeas". Aqui, tratava-se de dirigir três atores (Casé, Lima Duarte, Stênio Garcia) que costumam colocar seus personagens em surdina e relevar suas próprias personalidades. Aqui, sentimos os personagens e raramente o espectador percebe a presença de atores.

5) De todas as falsas questões que pode suscitar "Eu Tu Eles", a mais insidiosa diz respeito à representação do Nordeste. Seria justo condená-lo por não apresentar um "Nordeste verdadeiro", por evitar qualquer ênfase no miserabilismo? Certamente, não. Este não é um filme sobre o Nordeste. A história poderia se passar ali, no Pantanal, no Jardim Ângela ou na Patagônia.

Mas o sertão nordestino não é também um lugar aleatório. Nós o associamos facilmente a um certo primitivismo, que torna a situação mais paradoxal: naquilo que imaginamos como um paraíso machista e pouco cultivado, a façanha da protagonista, ao impor o desejo feminino sobre o masculino, tem algo de épico.

6) O que se pode questionar no Nordeste proposto não é sua eventual distância de um filme como "Vidas Secas", por exemplo, e sim, o pesado investimento em imagens tipo cartão-postal: pôr-do-sol, contraluz, a locação principal de beleza irretocável. Em poucas palavras, a representação proposta sofre de retórica e de certa cafonice, que só servem para atravancar a narrativa. Apenas a um olhar incauto são demonstrações de "competência".

7) O desenvolvimento da trama não existe sem problemas. O diretor parece nutrir uma profunda antipatia pelo personagem de Lima Duarte: feio, autoritário, preguiçoso, impotente. Isso torna fria a parte dedicada ao primeiro casamento -não por acaso a mais estetizante delas. O filme cresce muito quando aborda o segundo marido (Garcia), quando não só se percebe um investimento afetivo maior (da personagem feminina, mas também do diretor), como um belo trabalho no relacionamento entre os dois homens.

A entrada em cena do terceiro marido (Luiz Carlos Vasconcelos) é um tanto problemática, já que o diretor custa a definir uma atitude forte dos dois primeiros em relação ao intruso.

8) Se as virtudes deste filme são mais teatrais (atores) e literárias (roteiro, diálogos) do que cinematográficas, isso não se deve a uma deficiência, mas a uma escolha: "Eu Tu Eles" pende mais para o lado da indústria cultural do que para o do cinema. Falta-lhe o horizonte da angústia, "o único do cinema", segundo Rossellini. Essa ausência será provavelmente uma mão na roda para que "Eu Tu Eles" se torne um sucesso. Não se pode ter tudo.


Copyright Folha Online. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha Online.
  Galeria
  Fotos da vida real
Foto: Marcelo Bartolomei
Maria Marlene Sabóia da Silva, 54, a mulher que vive com três maridos no Ceará e inspirou o filme
 Onde aconteceu?
  Trailer
  28 k
  56 k
  Alta velocidade
 Trilha sonora
  Gilberto Gil na Web
  Enquete
  Você casaria com três?
  Quiz!
  A bigamia no cinema
 Oscar 2001
  Na Web
  Eu Tu Eles - site oficial