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27/05/2010 - 13h11

Xico Sá ensina homens a evitar "objetos pontiagudos na testa"; leia trecho

da Livraria da Folha

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Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres
Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres

Em "Chabadabadá", lançado neste mês pela editora Record, o jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo Xico Sá tenta desvendar os mistérios femininos que atingem os "machos modernos" de todos os cantos do país.

Os textos apresentam "uma narração da agonia dos marmanjos e do fulgor, às vezes configurado em autoengano, da mulherada", segundo Xico, na introdução do volume.

No trecho abaixo, por exemplo, o escritor ensina os homens a evitar "objetos pontiguados", que o destino insiste em "parafusar" em suas testas. O jornalista narra a saga de Amaro e as agruras pelas quais passa com o amante da mulher.

A personagem Miss Corações Solitários --extraída de um romance de Natanael West-- é uma senhora que dá conselhos amorosos enquanto debocha e tira onda do próprio sonho de amor. O autor utiliza-a frequentemente em seus textos.

Leia íntegra da crônica.

*

O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma filosofia de consolação, ombro, ouvidos... Invoco a Miss Corações Solitários que costuma fazer morada nesta pobre caveira envelhecida em barris de bálsamo.

Não posso deixá-lo a mascar o jiló do abandono. Está desconsolado, como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a amada cair nos braços de um playboy. Um idiota que não sabia sequer uma palavra de esperanto.

A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o homem dos sabiás.
Com Amaro, chamemos assim o nosso ensaio de Bentinho, não foi diferente.
Quis o destino parafusar-lhe objetos pontiagudos à testa.
Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde, num intervalo qualquer, no recreio da vida chata, entre um memorando e outro, merda.
Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro. Ele mesmo fez as vezes de cão farejador de sua própria desgraça.
Que fazer?, indaga, num e-mail no qual até a arroba boia em poças de lágrimas.
Mato o desgraçado?
Tiro a vida da desalmada?
Vou-me embora pra Tegucigalpa?
Salto mortal da ponte Buarque de Macedo?
Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, envaidece-se o próprio.
Sossega, Amaro.
O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias, inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante.
Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro.
Entendeste?
Deixar que eles durmam e acordem juntos. Que tenham seus problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos, que se esbaldem.
É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina.
A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato, tic tac tic tac vida noves fora zero.
Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o pão-com-manteiga do dia a dia. A rotina é o cavalo de Troia do amor.
Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe.
Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a famosa discussão de relação, em plena TPM.
Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre marido.
Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário.
Ao amante, Amaro, a falta de assunto.
Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem mesmo ela se aguenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito.
Some, Amaro, some, desaparece desse mundo, depois me conta, peste.

 
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