Livraria da Folha

 
21/07/2010 - 15h33

Professor de literatura explica por que Lima Barreto repudiava o futebol

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Em "Lima Barreto e o Futebol: as Polêmicas com Coelho Neto e os Nefelibatas", que será lançado pela editora Difel em setembro, o professor e pesquisador de literatura brasileira Mauro Rosso reuniu documentos que justificam o repúdio de Lima Barreto (1881-1922) pelo futebol, como a apropriação e o uso do esporte pelos poderes público e econômico, entre outros.

Reprodução
Professor Mauro Rosso (à esq.) pesquisou entraves futebolísticos que dividiam escritores, como Lima Barreto (à dir.) e João do Rio
Professor Mauro Rosso (à esq.) pesquisou entraves futebolísticos que dividiam escritores, como Lima Barreto (à dir.) e João do Rio

Em 1901, o público da primeira partida de futebol disputada no Rio era menor que o número de jogadores em campo, segundo o professor. Cinco anos depois, cerca de 1.500 pessoas viram uma partida entre brasileiros e ingleses (residentes no Rio) no campo do Fluminense.

O grupo de literários que defendia o esporte era composto por Coelho Neto, Olavo Bilac, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque, João do Rio, Luiz Edmundo e Figueiredo Pimentel.

Os escritores Mário de Lima Valverde, Antonio Noronha Santos, Coelho Cavalcanti e Carlos Sussekind de Mendonça eram partidários de Lima. Graciliano Ramos também se mostrou cético com relação ao futebol. Mário de Andrade e Oswald de Andrade se "renderam" somente a alguns elementos do esporte, conforme o professor.

Em entrevista à Livraria da Folha, Rosso disse que utilizou diversas fontes para organizar o livro. Algumas bastante específicas, como publicações da época especializadas em esportes e dados referentes às atividades dos escritores e literatos na imprensa e na literatura. Acervos públicos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e da Biblioteca Mário de Andrade foram consultados, além dos acadêmicos e particulares de cada escritor.

Questionado se futebol e literatura combinam, Rosso disse que é difícil entender, sequer explicar, por que há esse distanciamento entre os temas.

Leia a íntegra da conversa.

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Livraria da Folha: Alguns escritores (João do Rio, Olavo Bilac, Coelho Neto, entre outros) se dispuseram a buscar uma compreensão do futebol e a reconhecê-lo como uma forma de expressão do caráter nacional. Aqueles que eram contra esse pensamento, como Lima Barreto, sofriam reveses dos defensores do esporte?
Mauro Rosso: Não necessariamente reveses, mas como exponho no livro, contraposição de opiniões e críticas por meio da imprensa. Convém observar o tom crítico, do mais absoluto e irreversível repúdio de Lima ao futebol --por ser um "estrangeirismo"-- e à literatura praticada pelos que chamava de "nefelibatas da linguagem". Era esse tom crítico barretiano muito mais exacerbado, mais vigoroso. Apesar de o grupo de defensores do esporte, que reunia Coelho Neto, Olavo Bilac, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque, João do Rio, Luiz Edmundo, Figueiredo Pimentel, entre outros, ser mais numeroso quantitativamente, com Lima alinhavam-se explicitamente Mário de Lima Valverde, Antonio Noronha Santos, Coelho Cavalcanti, e depois Carlos Sussekind de Mendonça (autor, em 1921, de um livro hoje raro intitulado "O Sport Está Deseducando a Mocidade Brasileira"). Sem esquecer de Graciliano Ramos, que, em 1916, expressava também seu ceticismo crítico com relação ao futebol. Mário de Andrade e Oswald de Andrade se "renderam" a certos elementos do futebol em manifestações esparsas.

Livraria da Folha: Futebol e literatura combinam ou não?
Rosso: Deveriam combinar e construir belas tabelinhas (como por exemplo, futebol e cinema), mas não o fazem adequadamente, ou pelo menos como deveria ser, uma vez que constituindo-se o futebol verdadeira "paixão nacional", ao mesmo tempo abriga elementos lúdicos e até mesmo oníricos. É efetivamente difícil entender, sequer explicar, porque esse "distanciamento", esse "não casamento". O futebol é um campo fértil ao extremo para manifestação e exteriorização de sensações e sentimentos humanos, seja do jogador ou do torcedor, de dramas e comédias, de romances e tragédias, de catarses e desilusões, de anseios e decepções, de aspirações e frustrações. Poucos cenários reúnem tal gama de elementos inerentes à condição humana. Pena que nem mesmo a literatura não ficcional propriamente dita, a saber o ensaísmo das ciências sociais (psicologia, sociologia e história), pouco se debrucem e dediquem, apesar de realizações esporádicas e pontuais ao futebol. Claro que muitos escritores, ficcionais e não ficcionais tiveram o futebol como tema. Por exemplo, Orígenes Lessa, Fernando Sabino, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Alcântara Machado, João Antônio, Ignácio de Loyola Brandão, Sergio Milliet, Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Emílio Salles Gomes, especialmente dois grandes intelectuais, Anatol Rosenfeld e Vilém Flusser.

Livraria da Folha: Lima Barreto criticava os favores que os clubes de futebol recebiam do governo para "criar distinções idiotas e antissociais entre os brasileiros". Isso acontece ainda hoje. Você sente falta da denúncia de um escritor?
Rosso: Exceto o que se refere à elitização e popularização do futebol, todos os aspectos denunciados por Lima permanecem atuais, em maior ou menor grau, de uma forma ou de outra. O "estrangeirismo" existe, com sinal trocado --se não é mais um "produto importado", é hoje um "produto (primário) de exportação", haja vista a irrestrita transferência de jogadores, bons, regulares e menos talentosos, para o exterior. E a violência campeia, com todos os tons e tintas, por vezes de tragédia, nos gramados, nas arquibancadas e nos entornos dos estádios.

Livraria da Folha: Se Lima Barreto tivesse que moldar uma crítica sobre o cenário atual do futebol no Brasil, o que ele pontuaria de forma mais enérgica?
Rosso: Um elemento especial denunciado por Lima permanece: a apropriação e o uso do futebol pelo poder público, pelo poder econômico, pelo governo, pelo estamento empresarial, pelas entidades oficiais e pelo marketing.

Livraria da Folha: Como realizou a pesquisa para compor o livro?
Mauro Rosso: Na verdade, o texto básico para o livro de agora encontrava-se praticamente pronto desde 2006, sob um projeto maior de uma trilogia barretiana a envolver "Lima Barreto e a Política" e "Lima Barreto e a Mulher". Há muito, dedico-me ao estudo de Lima Barreto (além de Machado de Assis e José de Alencar), e nesse processo fui tomando conhecimento de seus escritos, seus artigos e crônicas tratando especificamente do futebol. Desenhado esse painel, constatei que os escritos de Lima sobre o futebol colocam-se num contexto mais abrangente, que incluía a posição e postura de escritores, literatos e intelectuais, além de jornalistas e da imprensa em geral, com relação ao futebol, e nesse contexto, a postura crítica de Lima com relação ao tipo, forma e estilo de literatura que se fazia à época, conflitante com sua própria concepção da "missão" a ser cumprida pela literatura.

Livraria da Folha: Algum escritor atualmente faz o papel de Lima Barreto no que diz respeito a impor seus revezes contra o futebol?
Rosso: Nenhum. Certas críticas e restrições pontuais expressam-se aqui e ali, se considerarmos como exemplos alguns comentários de João Ubaldo Ribeiro, Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura.

 
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