Livraria da Folha

 
16/09/2010 - 16h05

Modesto, editor da Companhia das Letras não se assume 100% romancista

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Renato Parada/Divulgação
Editor Luiz Schwarcz tem mais três volumes publicados; dois infantis e um livro de ficção
Editor Luiz Schwarcz tem mais três volumes publicados; dois infantis e um livro de ficção

Cinco contos e um "quase romance". É desta maneira que o editor da Companhia das Letras Luiz Schwarcz define "Linguagem de Sinais", seu novo livro.

Os textos são ficcionais, mas têm origem autobiográfica. Fato que Schwarcz considera mais como "defeito" do que qualidade de sua criação.

"Eu acho que talvez seja um defeito da minha ficção. Eu acabo incluindo muitos episódios autobiográficos, não consigo me soltar. É uma coisa que até revela o fato de que eu não consigo ser 100% romancista", explica à Livraria da Folha por telefone.

O título do livro chegou a ser "Nada Além do que Já Disse", em referência a uma frase do artista renascentista Leon Battista Alberti (1404-1472) que Schwarcz viu em um museu em Lucerna, na Suíça. Além de mudar o nome da obra, ele alterou o tipo de narrativa --de romance para contos e um "quase romance".

Por meio de episódios autobiográficos, focados no passado, o escritor expõe a intimidade de suas lembranças e as mescla com tons ficcionais. As narrativas estão interligadas pela recorrência de personagens e pela voz de um narrador que registra o antigamente.

Durante a conversa, o fundador da Companhia das Letras explicou como mesclou ficção e realidade em "Linguagem de Sinais", comentou sobre seus dois livros infantis --"Minha Vida de Goleiro" e "Em Busca do Thesouro da Juventude", entre outros temas.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha - O título do livro era "Nada Além do que Já Disse", em referência à frase do artista renascentista Leon Battista Alberti. Por que você mudou para "Linguagem de Sinais"?
Luiz Schwarcz - Na verdade, o título chegou a ser esse, mas era um romance anteriormente, tinha uma história que o narrador ia para um congresso sobre meninos selvagens e estava imaginando o que ele diria para a mulher que ele se separou e que, provavelmente, ele achava que o tinha convidado pro tal congresso. E era um congresso falso, não existia, e ele pensava nisso. Então só se encaixava com essa frase, a parte que foi cortada.

Livraria da Folha - Por que o transformou em um livro de contos? Desmembrou a história do romance nos contos?
Schwarcz - Desmembrei porque o romance não tinha dado muito certo. Como romance, houve uma crítica, está lá no final do meu livro, os leitores falaram. Eu achei que eles estavam certos, que, de fato, como romance, eu tinha perdido um pouco a mão. No final, vi que em muitos contos eu estava mantendo o mesmo narrador. O leitor atento perceberá que, conto sim, conto não, são escritos pelo mesmo narrador. O surpreendente para mim é que alguns leitores me telefonaram e tal, alguns editores da editora, e falaram "olha, mesmo nessa outra parte, tem uma estranha semelhança".

Livraria da Folha - Essas pessoas leram o livro no formato romance?
Schwarcz - Não tinham lido.

Livraria da Folha - Eles relataram a semelhança com o quê?
Schwarcz - Eles disseram que os outros cinco contos, de certa maneira, têm a ver um pouco com tudo do outro livro, embora não seja o mesmo narrador, que têm uma coisa muito comum, muito presente. São, de certa maneira, interligados.

Livraria da Folha - O livro é composto por fragmentos do passado. O caso real do passageiro --Schwarcz conheceu um senhor com mal de Alzheimer em um voo para Lisboa-- pautou o caráter autobiográfico do livro?
Schwarcz - Tudo começou com ele. Tudo começou deflagrado com esse acontecimento. Ele deflagrou o que era para ser uma ficção e, a partir disso, a memória não seria um item tão forte no livro, porque esse acontecimento ocorreu comigo mas não faz parte da minha história. No final, quando eu comecei a escrever, algumas coisas da minha infância foram entrando.

Divulgação
Schwarcz reúne contos dedicados às às lembranças e à ancestralidade
Schwarcz reúne contos dedicados às lembranças e à ancestralidade

Livraria da Folha - Como foi mesclar e dosar ficção e realidade nos contos?
Schwarcz - Eu acho que talvez seja um defeito da minha ficção. Eu acabo incluindo muitos episódios autobiográficos, não consigo me soltar. É uma coisa que até revela o fato de que eu não consigo ser 100% romancista. É o meu jeito, é o que eu consigo fazer, fragmentos que têm alguns aspectos autobiográficos.

Livraria da Folha - "Linguagem de Sinais" tem cinco contos e um quase romance. O que seria esse "quase romance"?
Schwarcz - Seria esse romance que não se concretizou e que está em partes --mesmo narrador, personagens etc.

Livraria da Folha - Você se baseou em quê para compor o conto "Kadish"? Família, influências literárias incorporadas ou outro elemento associado à memória externa?
Schwarcz - É um conto excepcional. Olhando para um cantor uma vez em um enterro, eu tive essa ideia.

Livraria da Folha - Você se utiliza de Goya (1746-1828) e Beethoven (1770-1827) --gênios que sofreram com a surdez-- para moldar o perfil de Antônia, uma personagem enigmática e que, por conta de seus silêncios, é vítima da incomunicabilidade. Os personagens desse volume estão vulneráveis, de certa forma, a algo que limita seus sentidos?
Schwarcz - É um livro que fala de personagens muito silenciosos. O próprio narrador só existe na literatura, porque na vida real, ele praticamente não fala, não resolve nada da vida dele, casa com uma mulher que acaba, cada vez mais, usando linguagem de sinais para se expressar. Muitos dos personagens estão nessa situação --o menino que vai à casa da tia e fica olhando aquelas histórias fascinado. Esse conto "Murano", conto "Quem É?", contos em que a literatura está presente. "Quem É?" também tem um menino que não se comunica. Ele toca a campainha, quer entrar em um lugar e foge. Ele para de fazer esse flerte com a possibilidade de encontrar com alguém, de entrar em algum lugar, de se comunicar, no momento em que uma mulher segurando um livro abre uma porta para ele. Metáfora da literatura como um canal possível para a conversa.

Livraria da Folha - Quanto tempo levou para escrever "Linguagem de Sinais" ?
Schwarcz - Demorei cinco anos.

Livraria da Folha - Os infantis "Minha Vida de Goleiro" e "Em Busca do Thesouro da Juventude" foram baseados somente nas suas memórias de infância ou em algum outro tipo de observação?
Schwarcz - "Minha Vida de Goleiro" é 100% baseado na minha vida, não tem nada de ficção. O "Em Busca do Tesouro da Juventude" é uma ficção que parte de uma situação real que aconteceu na minha vida, quando um professor leu um conto do Lima Barreto (1881-1922).

Livraria da Folha - Seus primeiros livros são voltados para as crianças. Por que iniciou a escrita para o público mais jovem?
Schwarcz - É mais fácil para mim.

Livraria da Folha - Pretende escrever mais livros infantis?
Schwarcz - Eu não sei se vou escrever mais livros ou não. Estou escrevendo posts para o blog da editora, histórias da minha memória de editor, mas eles estão sendo feitos só para o blog.

Livraria da Folha - Tem o hábito de colecionar diários ou anotações pessoais?
Schwarcz - Está tudo perdido. Peguei uma pessoa para procurar e guardar as coisas na editora.

 
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