Livraria da Folha

 
15/10/2010 - 12h01

Orlandeli mudou jeito de contar histórias das tiras brasileiras, leia entrevista

FELIPE JORDANI
colaboração para a Livraria da Folha

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Orlandeli, retratado acima em uma autocaricatura, mistura quadrinhos e literatura na premiada série "(Sic)"
Orlandeli, retratado acima em uma autocaricatura, mistura quadrinhos e literatura na premiada série "(Sic)"

O cartunista Orlandeli criou um encontro inusitado em sua série "(Sic)". O autor uniu a narrativa literária com o formato mais curto das HQs, numa soma que levou o prêmio de melhor tira no Salão Internacional de Humor de Piracicaba em 2008.

Arquivo pessoal
Orlandeli no lançamento do livro "(Sic)", com coletânea de sua série de tiras homônimas
Orlandeli no lançamento do livro "(Sic)", com coletânea de sua série de tiras homônimas
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Seus quadrinhos têm histórias mais longas, com bastante narração em off, enquadramentos criativos e fogem do formato tradicional de três ou quatro quadros horizontais.

Uma coletânea do trabalho foi lançada recentemente em livro pela editora Conrad com incentivo do Proac (Programa de Ação Cultural).

"(Sic)" quebra tabu e inova nos personagens e forma de narrar

Veterano, o artista publica desde 1995 a série "Violência Gratuita", mais tarde renomeada como "Grump", em homenagem a um personagem homônimo, no jornal "Diário da Região".

Em entrevista, por telefone, à Livraria da Folha, Orlandeli conta de onde surgiu a ideia de criar "(Sic)", fala de sua relação com a literatura, fornece detalhes de como cria as tiras e revela quais são seus projetos. Veja também trechos do livro e um esboço de uma história criada pelo autor.

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Livraria da Folha: Como foi a gênese de "(Sic)" ?
Orlandeli: Como publico diariamente desde o meio dos anos 1990, quis fazer uma coisa diferente, que possibilitasse trabalhar mais o texto e a narrativa. O formato tradicional acaba limitando muito. Resolvi bolar alguma coisa no formato de tira, que é o espaço que tenho, mas que permitisse essa mudança. Experimentei esse novo formato no Salão de Humor de Piracicaba em 2008 e ele foi vencedor na categoria tiras. Gostei do resultado e ofereci a um jornal para ver como seria a resposta de um público maior. Eles toparam.

Livraria da Folha: Como desenvolveu o traço de "(Sic)"? Era algo que você já exercitava em "Grump"?
Orlandeli: O traço foi uma necessidade que tive em 2002 e 2003, quando comecei a fazer umas histórias em quadrinhos um pouco mais longas para a publicação coletiva "Front", da Via Lettera. O traço de "Grump" era exageradamente cartum e algumas ideias minhas não eram só engraçadas, tinham um outro contexto.

O próprio traço do Grump já mudou bastante. Se pegar as tiras do começo, tinham o traço mais aberto, bem próximo do Henfil [1944-1988]. Aquela coisa que o traço não se completa. Comecei a forçar um traço um pouco mais fechado. Só que não tem como desvincular por completo, né? Nem quero, eu acho que é uma coisa que se desenvolve sozinha. No "(Sic)", achei que o traço muito aberto não estava batendo com o texto e comecei a buscar um pouco mais isso. Não é uma coisa muito planejada, acontece aos poucos.

Livraria da Folha: Você tomou como base algum traço que você já gostava, fora a referência do Henfil?
Orlandeli: Tudo que você consome acaba levando para o seu trabalho. Por exemplo, o traço do Angeli hoje, acho sensacional. O Sergio Aragonés, que é um cara que faz um traço de humor, mas hiperdetalhado, no "Groo", acho muito legal aquilo. O Laerte também, não chega ser aquele traço dito "acadêmico", embora até se aproxime. Não pego um trabalho e tento puxar aquilo para o meu traço, mas de certa forma, uma parte acaba indo. Muitas coisas que eu li do Will Eisner [1917-2005], achei fantásticas. Acabo trazendo algumas formas de ângulos, procurando algum enquadramentos diferenciados, como ele. Então, é um pouco de tudo.

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Livraria da Folha: E essa relação forte que você tem com o texto, vem do Will Eisner?
Orlandeli: Sim, eu acho que sim. Aquela coisa de trabalhar o texto. E até da própria literatura. Gosto muito do Charles Bukowski [1920-1994], acho muito legal o tipo de texto dele. Você consome as coisas que te agradam e acaba indiretamente levando para o teu trabalho. O primeiro leitor é o próprio autor. Você cria uma coisa que você mesmo gostaria de ler, costumo trabalhar dessa forma, costumo fazer um quadrinho que eu gostaria de ler e isso é resultado das coisas que eu li, das coisas que eu experimentei, que eu vi que deram certo.

Livraria da Folha: Em seu site pessoal (www.orlandeli.com.br) você também posta alguns pequenos contos. Como é a sua relação com a literatura?
Orlandeli: Gosto muito de literatura. Hoje, acho que leio até mais livros do que quadrinhos. Bukowski é um cara que leio bastante. Eu gosto muito do jeito dele de escrever. Algumas pessoas acham escatológico demais, meio vulgar, mas considero algumas partes interessantes. Aprecio os ambientes dos textos dele, até casam um pouco com o meu traço. É um cara que, se fosse para escolher alguma coisa para adaptar, seria dele. Seria uma coisa bem legal de se fazer.

Livraria da Folha: Você pensa em escrever livros de literatura, como o quadrinista Lourenço Mutarelli?
Orlandeli: É uma ideia que me passa pela cabeça. Não tenho um projeto e meus textos são curtos, não têm fôlego muito grande. Teria que experimentar mais. Deveria escrever mais, faço pouco. Aqueles contos que estão no site foram feitos para o "Front", álbum da Via Lettera. Era assim, cada álbum tinha um tema e os criadores apresentavam materiais em um fórum para escolher o que entraria na publicação. Não descarto produzir um livro se sentir que minha ideia é legal e vai pra frente.

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Crédito: Divulgação Legenda: SIC, do quadrinista Orlandeli
Crédito: Divulgação Legenda: SIC, do quadrinista Orlandeli

Livraria da Folha: Nas suas tiras você fala de moralismo, da miséria nas relações humanas, de loucura. Quais são os seus temas preferidos?
Orlandeli: Não costumo pensar dessa forma, "vou trabalhar tal tema". Gosto de retratar essa coisa de como o homem se comporta dentro de determinada situação, do "conflito interno". O medo, a angústia, o fracasso. A maioria das tiras de "(Sic)" têm um pouco dessas reflexões. O cara está meio confuso, lutando com alguma coisa dentro dele, mas as pessoas de fora não percebem muito isso. Gosto dessa coisa de trabalhar o cotidiano e o sentimento humano.

Livraria da Folha: De expressar sentimentos que, muitas vezes, estão escondidos?
Orlandeli: Exato. Essa coisa de não se entender. Tenta achar um caminho e, enquanto não acha, tenta passar a imagem de uma pessoa segura.

Livraria da Folha: Como é a criação de uma tira do "(Sic)", desde a primeira ideia até compor os personagens, pensar os enquadramentos, as cores e a arte-final?
Orlandeli:. Parto da ideia de colocar uma pessoa dentro de uma situação e procuro algo que queira dizer. A partir daí eu desenvolvo uma história, dou uma linha narrativa e um desfecho, que às vezes tem um final engraçado, e em outras, um pouco mais dramático. O humor depende do tema escolhido e de como estou no dia (risos). Por exemplo, "Como uma pessoa fica com os pecados que ela comete durante a vida?". Nesse caso eu fiz uma analogia, como se os pecados fossem facas e machados nas costas do cara.

Quando tenho o contexto, traço um enquadramento muito rápido, bem tosco, com os quadrinhos vão compor aquela história. Sempre tem a abertura, que é a apresentação da história, neste caso "Eu convivo bem com os meus pecados!". Dali para direita [veja imagem abaixo] é o espaço que tenho para trabalhar. Rascunho cada situação, como "Aqui ele está falando dos problemas. No quadro dois eles está falando que consegue resolver os problemas de tal forma".

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Até esse ponto, sei o que vou falar, mas não com que palavras. Geralmente faço o texto final depois do desenho pronto. Como gosto de escrever, acaba ficando grande e tenho que enxugar. Depois que terminei tudo, o processo de colorização é quase mecânico. Uso uma paleta de cores reduzida, tom sobre tom. Aí é só finalizar e mandar para o jornal. Faço só o esboço no papel e o resto no tablet [espécie de papel e caneta eletrônicos] e tem dado certo.

Livraria da Folha: Em "(Sic)", você poucas vezes usa o mesmo personagem em uma história. Não sente saudades deles?
Orlandeli: A série não foi feita para ter personagens fixos. Se sentir necessidade de usar algum de novo, uso sem problemas. Não tenho regras. Um que tive vontade de fazer de novo é do comecinho do livro "(Sic)". Um lutador gordão que queria ser contador. Daria mais umas boas tiras. No geral não fico preso aos personagens, penso mais nas histórias.

Livraria da Folha: O que você acha da atenção que as HQs brasileiras têm recebido das editoras e a migração das publicações de bancas de jornal para as livrarias?
Orlandeli: Essa migração foi muito boa. Ninguém conseguia vender mais nada em banca e lá, o período de exposição é muito menor, um mês ou dois, no máximo. Na livraria, a obra fica, o que te desobriga de vender tudo de uma vez. As editoras estão apostando mais em quadrinhos. Este filão despertou mais interesse e deve dar um bom retorno, porque editoras que não tinham tradição nenhuma em HQs estão começando a investir. Acaba profissionalizando mais a coisa. Espero que melhore ainda mais. Até por conta do quadrinho de autor, de temas mais profundos, as HQs estão ganhando novos leitores. Isto é muito bom.

Livraria da Folha: Você tem mais projetos em andamento?
Orlandeli: Oficialmente não. Estou reunindo material para montar um livro do Grump. Ele é um personagem antigo e tem muito material. Também tenho um roteiro pronto com a intenção de fazer uma HQ de maior fôlego, com umas 60 páginas. Mas ainda não tenho uma editora para publicar.

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"(Sic)"
Autor: Orlandeli
Editora: Conrad
Páginas: 72
Quanto: R$ 16,90 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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