Livraria da Folha

 
02/11/2010 - 12h01

Philip Pullman reescreve saga de Cristo e o transforma em gêmeos em ficção

da Livraria da Folha

Siga a Livraria da Folha no Twitter
Siga a Livraria da Folha no Twitter
Divulgação
Jesus vira dois irmãos de personalidades opostas em ficção
Jesus vira dois irmãos com personalidades opostas em ficção

O célebre escritor inglês Philip Pullman, autor de "A Bússola de Ouro", cria sua própria versão do novo testamento bíblico ao cindir a personalidade de Jesus Cristo em duas partes opostas e atribuí-las a irmãos gêmeos em "O Bom Jesus e o Infame Cristo" (Companhia das Letras, 2010).

Enquanto Jesus se comporta como sonhador e fantasioso, que acredita nos milagres, Cristo é realista e contraditório em seus próprios princípios.

Com a obra, o autor reavalia uma das principais narrativas do ocidente e cria sua própria reflexão sobre o papel da crença, da fé e dos ídolos religiosos.

Philip Pullman é conhecido pela trilogia iniciada com "A Bússola de Ouro" (Editora Objetiva, 2008), obra adaptada por Hollywood para as telonas, e formada por "A Faca Sutil" (Editora Objetiva, 2008) e "A Luneta Âmbar" (Editora Objetiva, 2010).

Monte sua estante com obras de Philip Pullman

Leia trecho de "O Bom Jesus e o Infame Cristo".

*

Maria e José

Esta é a história de Jesus e de seu irmão Cristo, de como nasceram, de como viveram e de como um deles morreu. A morte do outro não entra na história.

Como é de conhecimento geral, sua mãe se chamava Maria. Era filha de Joaquim e Ana, um casal idoso, rico e devoto que não tivera filhos, ainda que muito houvesse rezado por um. Era considerado desonroso que Joaquim não deixasse descendentes, e ele sentia fundo essa vergonha. Ana era igualmente infeliz. Um dia, ao ver um ninho de pardais num loureiro, chorou porque até os pássaros e os animais conseguiam gerar, mas não ela.

Finalmente, porém, quem sabe por obra de suas fervorosas preces, Ana concebeu uma criança e, no tempo devido, deu à luz uma menina. Joaquim e Ana prometeram oferecê-la ao Senhor Deus, e a levaram ao templo e a entregaram ao sumo sacerdote Zacarias, que a beijou, a abençoou e a tomou sob seus cuidados.

Zacarias acalentou a criança como a uma pomba, e ela dançou para o Senhor, e todos a amavam por sua graça e sua simplicidade.

Mas, como toda menina, ela cresceu e, quando tinha doze anos, os sacerdotes do templo se deram conta de que logo começaria a ter o sangramento mensal. O que, claro, macularia aquele local sagrado. Como fariam? Haviam-na tomado sob sua responsabilidade; não podiam simplesmente mandá-la embora.

Então Zacarias rezou, e um anjo lhe disse o que fazer. Os sacerdotes deveriam encontrar um marido para Maria, mas que fosse bem mais velho, um homem estabelecido e experiente. Um viúvo seria ideal. O anjo deu instruções precisas e prometeu um milagre que confirmaria a escolha do homem certo.

Seguindo o que lhe fora dito, Zacarias reuniu o maior número de viúvos que conseguiu. Cada um deles deveria trazer consigo um cajado de madeira. Uma dúzia de homens, pouco mais, respondeu ao chamado, alguns jovens, outros na meia-idade, alguns velhos. Entre eles, o carpinteiro José.

De acordo com as instruções, Zacarias juntou todos os cajados e orou sobre eles antes de devolvê-los aos donos. José foi o último a receber seu cajado, que, tão logo lhe chegou às mãos, se transformou numa flor.

"Tu és o escolhido!", disse Zacarias. "O Senhor ordenou que deverás casar-te com a menina Maria."

"Mas sou um velho!", respondeu José. "E tenho filhos mais velhos que a menina. Serei alvo de galhofa."

"Faz como te foi ordenado", disse Zacarias, "ou enfrentarás a ira do Senhor. Lembra-te do que sucedeu a Coré."

Coré foi um levita que desafiou a autoridade de Moisés. Como punição, a terra se abriu sob ele e o engoliu, a ele e aos de sua casa.

José teve medo e, relutantemente, concordou em tomar a menina como esposa e a levou para casa.

"Deves permanecer aqui enquanto eu estiver fora trabalhando", ele disse a ela. "Voltarei ao tempo em que tiver de voltar. O Senhor olhará por ti."

Na casa de José, Maria trabalhava com tanto empenho e mantinha conduta tão modesta que ninguém erguia a voz para criticá-la. Ela tecia, assava o pão, tirava água do poço, e eram muitos os que se perguntavam sobre aquele estranho casamento, à medida que ela crescia e se tornava uma jovem mulher na ausência de José. Outros havia, homens jovens em particular, que tentavam lhe falar e sorrir, interessados, mas ela pouco dizia em resposta e mantinha os olhos pregados no chão. Fácil perceber que era uma moça simples e boa.

E o tempo passou.

O nascimento de João

Eis que Zacarias, o sumo sacerdote, era velho como José, e sua esposa, Isabel, também. Assim como Joaquim e Ana, eles não tinham filhos, por mais que houvessem desejado tê-los.

Um dia Zacarias viu um anjo, que lhe falou:

"Tua mulher irá parir um filho, a quem deverás dar o nome de João."

Zacarias ficou estarrecido e disse:

"Como pode ser? Sou um velho e minha mulher é estéril."

"É o que acontecerá", falou o anjo. "E, até que aconteça, tu te tornarás mudo por não creres em mim."

E assim se fez. Zacarias não foi mais capaz de falar. Mas, pouco tempo depois, Isabel concebeu uma criança, e ficou radiante, pois sua esterilidade fora até ali uma desgraça e uma dura provação.

Chegada a hora, ela deu à luz um menino. No momento de circuncidá-lo, perguntaram a Zacarias como deveria se chamar, e ele tomou de uma tabuinha e escreveu: "João".

Seus parentes ficaram surpresos, pois ninguém na família tinha aquele nome; assim que o escreveu, porém, Zacarias novamente pôde falar, e esse milagre foi a confirmação da escolha. O menino se chamou João.

*

"O Bom Jesus e o Infame Cristo"
Autor: Philip Pullman
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 296
Quanto: R$ 30 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da página