Livraria da Folha

 
23/02/2010 - 07h12

Bakunin comenta a proclamação da república na França; leia trecho

da Livraria da Folha

Nascido a noroeste de Moscou durante a época dos czares russos, Mikhail Bakunin (1814-1876) é o mais influente filósofo anarquista.

De família aristocrática, Bakunin estudou filosofia e recebeu grande influência do escritor Aleksandr Herzen (1812-1870), considerado como pai do socialismo russo. Morou na Alemanha e em Paris, onde entrou em contato com as teorias de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e Karl Marx (1818-1883).

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Coletânea expõe claramente o pensamento e a teoria anarquista
Coletânea expõe claramente o pensamento e a teoria anarquista

Apesar da importância teórica desses pensadores, o russo não concordava com algumas ideias marxistas, entre elas a ditadura do proletariado.

Por seu posicionamento político, o governo dos Romanov transformou-o em um criminoso. Esteve engajado em diversos movimentos revolucionários da Europa no século 19.

Mesmo com a saúde debilitada permaneceu ativo até o fim da vida. O anarquista morreu em Berna e seu túmulo ainda recebe visitas de libertários de todo o mundo.

O livro "Textos Anarquistas" reúne ensaios, artigos e discursos que expõe claramente o pensamento sobre o anarquismo, um assunto mal interpretado tanto por opositores quanto partidários.

Abaixo, leia um trecho do livro.

*

A revolução de fevereiro de 1848 vista por Bakunin

Michael Bakunin, emigrado russo, apressou-se em chegar a Paris à época da revolução de fevereiro:

A revolução de fevereiro eclodiu. Quando soube que havia luta em Paris, consegui, para prevenir qualquer eventualidade, um passaporte com uma pessoa de minhas relações e parti para Paris. Mas o passaporte foi inútil: "A República foi proclamada em Paris", estas foram as primeiras palavras que ouvimos na fronteira. Diante desta notícia, senti um arrepio; cheguei a pé a Valenciennes, devido à interrupção da estrada de ferro. Por toda parte, multidões, gritos entusiasmados, bandeiras vermelhas em todas as ruas, em todas as praças e em todos os prédios públicos. Fui obrigado a fazer um desvio; como a estrada de ferro estava impraticável em muitos pontos, só cheguei a Paris em 26 de fevereiro, três dias depois da proclamação da República. No caminho, tudo me divertia.

Esta cidade enorme, centro da cultura européia, tornara-se, de repente, um Cáucaso selvagem: em cada rua, quase em toda parte, barricadas erguidas como montanhas elevando-se até os tetos; sobre estas barricadas, entre as pedras e os móveis estragados, como georgianos em seus desfiladeiros, operários com blusas pitorescas, negros de pó e armados até os dentes; comerciantes com as feições alteradas pelo pavor olhavam cheios de medo pelas janelas; nas ruas e nas avenidas, nenhum carro: desapareceram todos os velhos arrogantes, todos os dandys de monóculo e, em seu lugar, meus caros operários, massas entusiastas e triunfantes agitando bandeiras vermelhas, cantando canções patrióticas, embriagados pela vitória.

No meio desta alegria sem limites, desta embriaguez, todos estavam de tal modo ternos, humanos, compassivos, honestos, modestos, polidos, amáveis e espirituosos, coisa que só pode acontecer na França e, especificamente, em Paris. Em seguida, durante mais de uma semana, morei com operários na caserna da rua Tournon, a dois passos do palácio de Luxemburgo. Esta caserna, anteriormente ocupada pela guarda municipal, transformara-se, como muitas outras, em uma fortaleza republicana, servindo de acantonamento ao exército de Cassidière. Eu havia sido convidado a morar aí por um amigo democrata que comandava um destacamento de quinhentos operários.

Tive, portanto, oportunidade de ver os operários de estudá-los da manhã à noite. Nunca e em nenhum lugar, em nenhuma outra classe social, encontrei tanta abnegação, tanta integridade, verdadeiramente comovente, tanta delicadeza de maneiras e jovialidade unidas ao heroísmo como entre estas pessoas simples sem cultura, que sempre valeram e sempre valerão mil vezes mais que seus chefes.

O que comove neles é o seu profundo instinto dedisciplina; nas suas casernas não podia haver nem ordem estabelecida, nem leis, nem imposições; mas foi vontade de Deus que todo soldado regular soubesse obedecer com exatidão, adivinhar os desejos de seus chefes e manter a ordem tão estritamente quanto os homens livres. Eles pediam chefes, obedeciam com minúcia, com paixão; no seu penoso serviço durante dias inteiros, passavam fome e não deixavam de ser amáveis e sempre alegres. Se estas pessoas, se estes operários franceses tivessem encontrado um chefe digno deles, capaz de compreendê-los e amá-los, este chefe teria realizado, com eles, verdadeiros milagres.

(...) Este mês passado em Paris (...) foi um mês de embriaguez para a alma. Não apenas eu estava embriagado, mas todos: uns de medo, outros de êxtase louco, de esperanças insensatas. Levantava-me às quatro ou cinco horas da manhã e deitava-me às duas horas, ficando todo o dia em pé, indo a todas as assembléias, reuniões, clubes, passeatas ou demonstrações; em suma, eu respirava por todos os sentidos e por todos os poros a embriaguez da atmosfera revolucionária.

Era uma festa sem começo e sem fim; eu via todo o mundo e não via ninguém, pois cada indivíduo se perdia na multidão incontável e errante; eu falava com todo mundo sem lembrar nem das minhas palavras nem das dos outros, pois a atenção estava absorvida a cada passo por acontecimentos novos, por notícias inesperadas.

Esta febre geral não era mantida mediocremente e era reforçada por notícias chegadas de outras partes da Europa; ouviam-se apenas palavras como estas: "Luta-se em Berlim; o rei fugiu depois de ter pronunciado um discurso! Lutou-se em Viena, Metternich fugiu, a república foi proclamada! Levante em toda a Alemanha; os italianos triunfaram em Milão e Veneza; os austríacos sofreram uma vergonhosa derrota! A república foi proclamada; toda a Europa torna-se República. Viva a República!"

Parecia que o universo inteiro havia mudado; o inacreditável tornava-se habitual; o impossível, possível; e o possível e o habitual, insanos. Em uma palavra, o estado de espírito era tal que, se alguém viesse dizer: "Deus acaba de ser expulso do céu onde a República foi proclamada!", todo mundo teria acreditado e ninguém teria se surpreendido. E os democratas não eram os únicos a sentirem-se inebriados, ao contrário: foram os primeiros a acordar, forçados a começar o trabalho e a consolidar um poder que lhes coube contra toda expectativa e como que por milagre.

O partido conservador e a oposição da dinastia, que se tornou em um dia mais conservadora que os próprios conservadores, enfim todos os homens do antigo regime acreditavam mais que os democratas em todos os milagres e em todas as coisas inverossímeis; eles deixaram de acreditar que dois e dois são quatro e o próprio Thiers declarou: "Só nos resta uma coisa, fazer com que nos esqueçam". Apenas este fato bastaria para explicar a prontidão e a unanimidade com que todas as cidades do interior e todas as classes, na França, reconheceram a República.

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"Textos Anarquistas"
Autor: Mikhail Alexandrovich Bakunin
Editora: L&PM Editores
Páginas: 158
Quanto: R$ 13,50
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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