Livraria da Folha

 
15/04/2010 - 16h22

Dalai Lama afirma que compaixão é principal característica do ser humano; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
O monge explica com as próprias palavras fundamentos do budismo
O monge explica com as próprias palavras fundamentos do budismo

Aos 84 anos, o 14º Dalai Lama é reconhecido como um dos grandes propagadores da paz mundial -- foi agraciado, em 1989, com o Nobel da Paz. Autor de dezenas de livros com mensagens e esclarecimentos sobre a religião budista, como "Palavras de Sabedoria" e "Amor, Verdade, Felicidade", Tenzin Gyatso descreve seu novo livro como a mais fiel representação de suas ideias.

Lançamento do selo Fontanar, "Nas Minhas Palavras" reúne textos sobre a religião budista, meditação, felicidade e os sentidos da vida e da morte.

No início do livro, Dalai Lama afirma que a principal razão da existência humana é a felicidade e que a compaixão é a característica mais marcante do ser humano.

A seguir, leia um trecho do primeiro capítulo da obra:

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Sobre a Felicidade

Uma questão relevante sustenta nossa existência, independente de pensarmos conscientemente nisso ou não: Qual é o propósito da vida? Refleti muito sobre essa questão e gostaria de compartilhar meus pensamentos na esperança de que eles possam ter um benefício prático e direto para aqueles que os lerem. Acredito que o propósito da vida é ser feliz. Desde o momento do nascimento, cada ser humano deseja a felicidade e não quer o sofrimento. Nem o condicionamento social ou educacional nem a ideologia afetam isso. No fundo de nossos corações, nós simplesmente desejamos o contentamento. Não sei se o universo, com suas incontáveis galáxias, estrelas e planetas, tem ou não um significado mais profundo, mas para mim está claro que, pelo menos enquanto vivemos nesta terra, nos deparamos com a tarefa de construir uma vida melhor para nós mesmos. Portanto, é importante descobrir o que poderá gerar o maior grau de felicidade.

Para começo de conversa, é possível dividir todos os tipos de felicidade e sofrimento em duas categorias principais: mentais e físicas. Das duas, é a mente que exerce a maior influência sobre a maioria de nós. A não ser quando estamos gravemente doentes ou privados das necessidades básicas, nossa condição física tem um papel secundário na vida. Se o corpo está contente, nós praticamente o ignoramos. A mente, entretanto, registra cada acontecimento, não importando a sua insignificância. Assim, deveríamos dedicar nossos esforços mais sérios a alcançar a paz mental.

Por meio da minha própria e limitada experiência, descobri que o maior grau de tranquilidade interior vem do desenvolvimento do amor e da compaixão. Quanto mais nos importamos com a felicidade dos outros, maior se torna o nosso próprio senso de bem-estar. Cultivar um sentimento de proximidade e carinho pelos outros automaticamente acalma a mente. Isto ajuda a remover qualquer medo ou insegurança que tenhamos e nos dá a força necessária para lidar com os obstáculos que encontramos. É a fonte definitiva de sucesso na vida.

Enquanto vivermos neste mundo, sempre encontraremos problemas. Se, nesses momentos, nós perdermos a esperança e nos desencorajarmos, acabaremos diminuindo nossa capacidade de enfrentar dificuldades. Se, por outro lado, lembrarmos que não apenas nós, mas todos têm que passar pelo sofrimento, esta perspectiva mais realista aumentará a nossa determinação e capacidade de vencer os problemas. Sem dúvida, com essa atitude, cada obstáculo novo pode ser visto como mais uma oportunidade valiosa para melhorar nossa mente! Assim, podemos nos empenhar gradualmente para nos tornarmos mais compassivos; ou seja, podemos desenvolver tanto uma solidariedade genuína pelo sofrimento dos outros quanto a força de vontade para ajudar a curar suas dores. Como resultado, nossa própria serenidade e força interior irão crescer.

Precisamos de Amor

No final das contas, o amor e a compaixão trazem a maior felicidade possível simplesmente porque a nossa natureza os deseja acima de tudo. A necessidade de amor encontra-se na própria fundação da existência humana. Ela resulta da profunda interdependência que todos nós partilhamos uns com os outros. Por mais capaz e habilidoso que um indivíduo possa ser, deixado só, ele não sobreviverá. Por mais vigoroso e independente que alguém possa se sentir durante os períodos mais prósperos de sua vida, quando fica doente, seja jovem ou idoso, vai depender do cuidado de outros. Está claro que a interdependência é uma lei fundamental da natureza. Não apenas formas elevadas de vida, mas também muitos dos insetos mais minúsculos são seres sociais que, sem religião alguma, sem lei ou educação, sobrevivem pela mútua cooperação baseada num reconhecimento inato de sua conexão mútua. O nível mais sutil de fenômenos materiais também é governado pela interdependência. De fato, todos os fenômenos, sejam eles os oceanos, as nuvens, ou as florestas que nos cercam, surgem em dependência com padrões sutis de energia. Sem a interação apropriada, eles se dissolvem e se decompõem. É porque a nossa própria existência é tão dependente da ajuda de outras pessoas que a necessidade de amor jaz nas próprias fundações de nossa existência. Por isso, nós precisamos de um senso de responsabilidade genuíno e de uma preocupação sincera pelo bem-estar dos outros.

Temos que levar em consideração o que os seres humanos realmente são. Nós não somos como objetos feitos por máquinas. Se fôssemos seres meramente mecânicos, então as próprias máquinas seriam capazes de aliviar nosso sofrimento e preencher nossas necessidades.

Entretanto, já que não somos criaturas exclusivamente materiais, é um erro colocar todas as nossas esperanças de felicidade apenas no desenvolvimento externo. Em vez disso, deveríamos considerar nossas origens e nossa natureza para descobrir quem somos e do que necessitamos.
Deixando de lado a complexa questão da criação e evolução do universo, podemos pelo menos concordar que cada um de nós é um produto dos próprios pais. Em geral, nossa concepção aconteceu não apenas no contexto do desejo sexual, mas também da decisão de nossos pais de terem uma criança. Essas decisões estão fundamentadas na responsabilidade e no altruísmo - o comprometimento dos pais em cuidar da criança até que ela seja capaz de cuidar de si mesma.

Assim, desde o instante inicial da concepção, o amor de nossos pais está envolvido diretamente em nossa criação. Além disso, somos completamente dependentes do cuidado de nossas mães desde os estágios mais remotos de nosso crescimento. De acordo com alguns cientistas, o estado mental de uma grávida, seja ele calmo ou agitado, tem um efeito físico direto sobre o bebê. A expressão do amor é também muito importante na hora do nascimento. Já que a primeira coisa que fazemos ao nascer é sugar o leite do seio de nossa mãe, nos sentimos naturalmente próximos dela, e ela deve sentir amor por nós para nos alimentar adequadamente; se a mãe sente raiva ou ressentimento, seu leite pode não fluir como deveria.

Então, há o período crítico do desenvolvimento do cérebro, desde o instante do nascimento até pelo menos a idade de 3 ou 4 anos, durante o qual o contato físico amoroso é o fator mais importante para o crescimento harmonioso da criança. Se ela não é acolhida, afagada, abraçada e amada, seu desenvolvimento será prejudicado e seu cérebro não amadurecerá como deveria.

Conforme as crianças crescem e vão para a escola, precisam receber o apoio dos professores. Se um professor não apenas transmite educação acadêmica, mas resolve assumir a responsabilidade de preparar os alunos para a vida, estes sentirão confiança e respeito, e o que foi ensinado deixará uma impressão inesquecível em suas mentes. Entretanto, aquilo que é transmitido por um professor que não demonstra preocupação sincera pelo bem-estar geral do aluno ou da aluna não será retido por muito tempo.

Nos dias de hoje, muitas crianças crescem em lares infelizes. Se não receberem carinho suficiente, quando crescerem dificilmente conseguirão amar os pais e, quase sempre, terão dificuldades em amar os outros. Isso é muito triste. No final das contas, já que uma criança não pode sobreviver sem os cuidados dos outros, para ela o amor é o nutriente mais importante. A felicidade da infância, o apaziguamento dos muitos medos da criança e o desenvolvimento saudável de sua autoconfiança, tudo isso depende diretamente do amor. Da mesma maneira, quando uma pessoa doente é tratada em um hospital por um médico que demonstra calor humano, o paciente se sente tranquilo, e o desejo do médico de dar a melhor atenção possível é por si só curativo, independente de habilidades técnicas.

Por outro lado, se um médico é falho no sentimento humano e exibe impaciência, desatenção ou uma expressão pouco amistosa, o paciente se sentirá ansioso, mesmo que o médico seja o mais qualificado dos profissionais, que a doença tenha sido corretamente diagnosticada e que o remédio certo tenha sido ministrado. Inevitavelmente, os sentimentos dos pacientes são essenciais para uma recuperação completa e de qualidade. Mesmo quando nos envolvemos numa conversa normal no dia a dia, se alguém fala com calor humano, nós temos prazer em ouvir e respondemos no mesmo tom; toda a troca de ideias se torna prazerosa, não importa qual seja o tema. No entanto, se uma pessoa se expressa com frieza ou secura, sentimos desconforto e desejamos pôr logo um fim àquele encontro. Do mais insignificante ao mais importante acontecimento, o afeto e o respeito dos outros são vitais para nossa felicidade.

Recentemente, encontrei um grupo de cientistas nos Estados Unidos que me disse que o nível de doença mental em seu país estava bastante alto - em torno de 12 por cento da população. Ficou claro durante nossa reunião que a causa principal da depressão não era uma carência de coisas materiais, mas uma privação do afeto dos outros. Então, como você pode concluir de tudo que escrevi até aqui, estando ou não consciente do fato, a necessidade de afeição humana está em nosso sangue desde o dia em que nascemos. Mesmo se o afeto vier de um animal ou de alguém que nós normalmente consideramos um inimigo, tanto crianças quanto adultos gravitarão naturalmente na direção dele.

Eu acredito que ninguém nasce desprovido dessa necessidade de amor. E isso demonstra que, embora algumas escolas modernas de pensamento tentem fazê-lo, seres humanos não podem ser definidos como meramente físicos. Nenhuma aquisição material, por mais bela e valiosa, pode nos fazer sentir amados, porque nossa identidade mais profunda e nossa marca genuína como seres humanos repousa na natureza subjetiva da mente.

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Nas Minhas Palavras
Autor: Dalai Lama
Editora: Fontanar
Páginas: 164
Quanto: R$29,90
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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