Crianças
São Paulo, sábado, 23 de maio de 1998

Vencer o medo com cambalhotas

Adi Leite/Folha Imagem
Contorcionista do circo Spazio, que estava armado em Camaçari, na Bahia


No circo tem força equilíbrio, agilidade e coragem. "Um objetivo do circo é superar o medo. Você chega ao circo sem noção do que significa ficar de cabeça para baixo a seis metros de altura. Sente medo, mas não tem como sair de lá." Quem diz isso é José Wilson Moura Leite, professor do Circo Escola Picadeiro, em São Paulo, da família do circo Spadoni.
No circo tradicional aprende-se por imitação, a criança brinca de circo. Os pais, observando, acabam por indicar o que é mais fácil ou o número para o qual o filho leva mais jeito. Aconteceu com Waldemar Seyssel, 93, o mais famoso palhaço brasileiro, o Arrelia. Ele queria ser acrobata, mas entrou no picadeiro de palhaço empurrado pelo pai.
Adi Leite/Folha Imagem
Meninos do projeto Axé têm aulas na escola Picolino, em Salvador


O ensaio do circense é chamado de aula. Na Revolução de 1997, na Rússia, mudaram vários métodos de ensino, inclusive da arte circense. Surgiram as primeiras escolas de circo. Não se aprendia mais em família. O Circo de Moscou, que abrigava companhias da antiga União Soviética, se tornou um dos melhores do mundo.
A França, hoje, tem cerca de 70 escolas de circo. O Brasil tem 22 escolas, mas nem todas formam artistas. Algumas delas procuram atrair crianças pobres para tirá-las da rua e afastá-las da criminalidade.
A Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, é a única mantida pelo governo federal e forma artistas profissionais. A maior parte das escolas de circo que tem essa finalidade são de iniciativa particular. As mantidas por entidades, ou governos estaduais e prefeituras, são as de caráter social.
Primeiros passos Primeiro, a criança tem de aprender a fazer cambalhota que é a base dos saltos. "A cambalhota ensina como o palhaço cai no chão, ensina a agilidade e o movimentos que os palhaços têm de corpo", explica José Wilson.
Depois, a criança aprende a fazer estrela e então vem o rondado. No rondado, a pessoa corre, bate as mãos no chão, gira o corpo em 360 graus e cai em pé do outro lado. Na estrela, bate no chão com pernas e braços abertos. No rondado, sai com braços e pernas abertos e cai com os pés fechados. O rondado prepara para o flip flap, um tipo de salto mortal. No salto mortal, a pessoa gira no ar; no flip flap, bate a mão no chão.
Do chão para o trapézio As acrobacias de solo usam barras, exercícios de ginástica olímpica, exibem saltos na cama elástica. A acrobacia de solo e a cama elástica dão base para os números acrobáticos e os que exigem equilíbrio e concentração, como o malabarismo. A cama ajuda a aprender saltos mortais.
Depois da cambalhota e de trabalhar no solo, o aluno passa para os trapézios baixos, aprende um número chamado de trapézio em balanço e depois faz evoluções. A cambalhota que ele faz no chão, faz no trapézio. "O trapezista faz um duplo mortal primeiro na cama elástica e depois no ar. A cama elástica ajuda a ter a noção do giro, ainda que no ar o movimento seja outro. No ar, o trapezista fica pendurado, e na cama elástica é jogado", explica José Wilson.
Os aprendizes de circo deveriam usar lonja, cinto de segurança com dois cabos de aço. Na escola Picadeiro, um cabo fica preso ao teto e o outro fica na mão do professor, para corrigir os movimentos do aprendiz a partir do solo. Muitos artistas de circo não usam cinto. Segundo José Wilson, "não usar cinto é desculpa para justificar o que não tem".
Vassoura doida Quando o circo pequeno se instala num bairro, precisa variar os números. As apresentações super-aguardadas são a Degolada Viva, o Enterrado, a Vassoura Louca. Esses circos apresentam esquetes (peças curtas) de palhaços, tradicionais, como a reprise "Abelha Abelhinha".
No número da vassoura no circo Bambolê (PE), o apresentador chamou vários homens para segurar a vassoura parada. Ninguém conseguiu deixar a vassoura no lugar. No circo do palhaço Saçarico, há um número diferente e perigoso, do tonel de vidro. O palhaço rola com os vidros dentro do tonel sem se machucar.
Perigo! Perigo! É claro que os momentos de suspense também são garantidos pelos números de pirotecnia. É perigoso brincar com fogo. Mas no circo Bambolê, uma criança palhaço e um adolescente trapezista cuspiam fogo.
No circo Bremer (SP), há um número em que um leão atravessa um aro de fogo. Em alguns outros circos visitados, foi comum ver artistas apagando com um chicote um cone de papel incendiado. (Hugo Possolo e Mônica Rodrigues Costa)

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Crianças
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.