Crianças
São Paulo, sábado, 23 de maio de 1998

O circo Tomara que Não Chova

Adi Leite/Folha Imagem
Alunos da escola Pernambuco de Circo, em Recife (PE), mostram "O Boi no Circo de Brum"


O circo do palhaço Saçarico é um pano-de-roda, sem a lona de cima, também conhecido como Deus Tomara que Não Chova. Estava em Matarandiba, em Vera Cruz, na Bahia.
O pano-de-roda, por dentro, parecia um caracol, feito com cercas de madeira. O picadeiro não tinha cadeiras, como nos circos armados nos engenhos de antigamente, no Nordeste, na época da cana-de-açúcar.
Senhores e escravos traziam as cadeiras para assistir aos espetáculos. "A gente coloca a cerca e pede para o pessoal não invadir na hora da rumbeira, na hora dos palhaços. Eles trazem cadeiras porque vêem que a gente é trabalhadeira... e às 20h30 começa o espetáculo", conta Saçarico, que se chama Gilmário de Jesus Lima e nasceu em Capela de Alto Alegre.
Ele trabalha há cerca de 20 anos em circos, "fazendo de tudo". Diz que aprendeu com artistas de circo. Ele só sabe assinar o nome, mas não se incomoda, "o circo deixa a pessoa inteligente, a pessoa aprende a falar."
O pano-de-roda não estava pronto, Saçarico estava colando os pedaços de lona com uma colher em brasa. O circo apresenta palhaços, arame, o número do tonel, equilibrismo, rumba e dublagem. A trupe estava acampada em barracas em volta da lona.
Shazam!!!! Alakazam!!!!! O circo Alakazam, em Pernambuco, era grande, mas certo tempo depois precisou diminuir. O dono, o mágico Alakazam, conta sua história em forma de poema, num gênero popular chamado literatura de cordel. Confira trechos da história épica desse mágico nordestino.
"Aos dez anos de idade
fui logo batendo as asas
deixei minha mãe sozinha
tratei de fugir de casa
passando assim muito tempo
sem aparecer em casa"
......
"Era o menino do circo
por todos já contemplado
pra uns eu botava água
pra outros fazia mandado
me apresentei no espetáculo
já fui logo respeitado"
........
"Depois voltei novamente
a trabalhar com o patrão
apresentava um lindo número
que se chama contorção
dando nó igual a cobra
quando se enrosca no chão"
Escola Pernambucana de Circo As crianças e adolescentes da Escola Pernambucana de Circo, dirigida por Bóris Trindade Júnior, são animadas. Durante a entrevista, todas falaram ao mesmo tempo.
Edmar Cardoso de Lima, 12, disse que gosta da escola. Ele contou que iria completar 13 anos, mas não sabia o dia do aniversário.
No espetáculo que a escola apresenta, "O Boi no Circo do Brum", Edmar é o duende. Brum é o nome da favela em que ele e outras crianças da escola moram. Quando crescer, Edmar diz que quer ser "o que der pra ser, depende do futuro".
Célio José dos Santos, 17, conta como é o espetáculo. "Tem a parte do caboclinho, maracatu, coco e tem a menina que dança com a boneca. Ela é uma menina de corpo bem mole." Célio usa a máscara de Mateus, um tipo de palhaço bem brasileiro.
Na história do boi desse espetáculo, Mateus é casado com Catirina. O espetáculo mistura a cultura popular da região com números de circo.
Célio, que está na 6ª série, diz que só entra no circo quem estuda. "Aqui, pega às duas, larga às cinco. Quem estuda de tarde, vem aqui de manhã. De noite a gente vai pra casa."
"A maioria aqui quer ser tudo artista de circo, andar por aí de navio, o que o capitão mandar a gente tem de fazer. Eu quero ser artista, apresentar circo, televisão, assim, um bocado de coisa", diz Daniele, 10, que é a burrinha e o auxiliar do capitão, personagens do espetáculo.
"Catirina está grávida e deseja comer língua de boi. Mateus e Bastião matam o boi da pastorinha. Para ressuscitar o boi os personagens fazem acrobacias e vão rodando a ciranda e fazem muita zoada com a lança, que é cheia de pano para a gente poder balançar direito", explica Cristina, 10.
Leonardo da Silva, 10, conta que está na 2ª série e que gostaria de ser dançarino, mas o pai não deixa. "Meu pai não deixa, não, porque eu visto a malha. Mas, quando meu pai foi dormir de novo, minha mãe deixou. Minha mãe nunca me bateu por causa do circo. Eu não queria ser abusante, mas a gente abusa, eu vou pela cabeça dos outros."

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