São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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1993 - 1994

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Todo dia é convite para continuar a viver, superando desafios e fazendo o bem. O primeiro dia do ano oferece, no entanto, a oportunidade de uma avaliação do caminho percorrido em 1993, percebendo omissões, faltas cometidas e as boas ações que, apesar de nossas limitações, pudemos praticar. Na passagem do ano, cabe um tempo maior de meditação. Vamos, na memória, virando as páginas de nosso álbum de fotografias, revivendo dificuldades, quedas e vitórias, para entrarmos, com coragem, no ano que começa.
Há, no entanto, um modo melhor de contemplar o ano que passou. É a atitude de quem, com humildade, se coloca na presença de Deus e fala a Ele, revendo os próprios atos. Jesus Cristo estava em contínua oração e nos ensinou o diálogo filial com o Pai, em quem devemos sempre confiar. O exame de consciência se transforma, assim, numa conversa amiga com o Pai que nos ama, conhece nossa consciência e nos ajuda a ver melhor o livro da vida. Podemos, então, reconhecer as nossas culpas e pedir perdão na certaza de sermos atendidos e auxiliados a nos corrigir. Na oração filial, somos capazes de constatar algum bem realizado, mas atribuindo à graça divina os benefícios recebidos. Diante do passado, renasce a paz, sabendo que "tudo coopera para o bem à luz do amor de Deus" (Rm 8, 28). Cresce a atitude de abandono frente ao futuro, esperando, aos poucos, melhorar nossa conduta e contribuir para o bem do próximo.
No mesmo clima de oração, poderemos penetrar mais nos desígnios de Deus e descobrir que, até no meio das provações e sofrimentos do ano que passou, há valores que nem sempre percebemos. Assim, a dedicação da mãe ao filho portador de deficiência, a fidelidade generosa do marido à esposa acidentada, a união dos familiares no falecimento do ente querido, os voluntários a serviço nas instituições de caridade e a surpreendente solidariedade do povo nas catástrofes. São valores muito mais preciosos do que o bem estar superficial dos que, em 1993, não tiveram problemas, nem ocasião de se devotar ao próximo. Tudo isso a oração vai nos revelando.
O diálogo filial com Deus poderá se intensificar e fazer-nos captar o verdadeiro sentido dos acontecimentos. Encontraremos, no fundo de nós mesmos, escondida na ostra, a pérola preciosa. No emaranhado das linhas cruzadas, virando para cima a tela, descobriremos do outro lado a arte do bordado. São momentos de luz, em que as próprias faltas do ano que passou, perdoadas e corrigidas, tornam-se sementes de conversão e crescimento espiritual. Pedro, que negou a Cristo, foi-lhe fiel até o martírio. Inácio de Loyola e tantos outros encontraram nas faltas perdoadas a infinita misericórdia de Deus e entregaram-se totalmente, por amor, ao serviço dos presos, dos pobres, dos excluídos e, em especial, dos que estavam longe de Deus.
Quem sabe, também nós, na avaliação do ano, poderemos descobrir a pérola da conversão e entender nos reveses da vida a misteriosa beleza dos caminhos de Deus, conduzindo-nos pelas desilusões do egoísmo até a alegria do dom de si aos outros.
A oração confiante em Deus ajude-nos a entrar em 1994 na certeza de que o ano novo há de reservar para muitos a esperança da reconciliação, do lar refeito, da fé reencontrada. E para todos, muita paz.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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