São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994
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'Primeiros Musicais' corteja imagem vulgar

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Por absurdo que pareça, pode-se entender "Os Primeiros Musicais da TV Americana" –exibido no sábado pela Cultura– a partir de um fenômeno que, em princípio, nada tem a ver com ele, que é a atual onda de cinema chinês que invade o mundo.
A popularidade dos cineastas chineses deve-se, em grande parte, ao fato de, por razões culturais (à parte sua qualidade, que não entra em questão), trazerem imagens raras, inéditas para o espectador ocidental.
O sucesso atual da TV Cultura (tanto em prestígio como em audiência) deve-se, em boa parte, ao fato de já não ser uma caricatura pedante da Globo. Tanto sua produção local como a importada procuram –e às vezes encontram– uma linguagem própria.
"Os Primeiros Musicais da TV" vale, justamente, por seu primitivismo. As produções de Lou Snader, ditas "telescriptions" eram registros singelos de atuações de algumas grandes estrelas da música (Nat King Cole, Duke Elligton, Cab Calloway, Count Basie etc.).
A parte o interesse musical da coisa, o que chama a atenção é a perfeita platitude da realização. Comparadas aos "soundies" (pequenos filmes feitos para "jukebox" com imagem sobre os quais a própria Cultura exibiu um documentário no dia de Natal) produzidos nos anos 40, as "telescriptions" já anunciam o culto da vulgaridade que a TV instauraria.
As imagens limitam-se a registrar as interpretações. Não seria pouco se, de passagem, conseguissem captar características particulares de cada intérprete e interpretar algo que se pode chamar de sua alma.
Por pressa ou por preguiça, é justamente disso que cada um dos números musicais passa ao largo. Esses pequenos clipes eram rodados em pouco tempo e com pouco dinheiro. Mas é claro que isso não é o essencial.
O programa vai um pouco nessa linha. Limita-se a apresentar números musicais, intercalados de explicações tão rápidas quanto superficiais sobre a produção.
Não se deve exigir de programas evocativos um criticismo ensandecido, mas pode-se pedir que sejam informativos. Essa é a linha prometida pelas primeiras imagens. Elas incluem um comercial, umas poucas cenas de época, a indagação sobre se as pessoas, afinal, informam-se ou desinformam-se diante da TV.
Esse início prometedor é, inielizmente, abortado logo de cara e substituído pela sequência de números musicais intercalada por comentários pouco esclarecedores. Nesse sentido "Os Primeiros Musicais" é um programa que fala pouco sobre a época que focaliza e muito sobre a TV, no sentido abordado no início do programa: de algum modo reafirma-se a idéia de que a a televisão é mesmo uma máquina de desinformar. (Inácio Araujo)

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